sexta-feira, 27 de junho de 2014

Suspect - Capítulo 3: A proposta

3. Evite qualquer coisa que possa afetar sua mente, como álcool e drogas.
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Me virei na cama, ainda sonolenta. Abri um dos olhos e me esforcei para ler o cartaz pendurado há mais ou menos cinco anos na porta espelhada. As regras da "casa" feitas por Alexander. Comecei a ler mentalmente. 
-Sem homens.
-Sem visitas.
-Sem drogas.
-Sem álcool.
-Sem...
Fui interrompida.
Alexander: Estou entrando. Já acordou?
Suspirei.
Charlotte: Quase.
Me virei, enquanto agarrava o edredom.
Alexander: Você ao menos sabe que horas são?
Charlotte: Não me importo.
Alexander: Pois devia.
Escutei seus passos em direção ao meu local de repouso.
Alexander: Realmente...
Ele se sentou na beira da cama.
Alexander: Que horas você chegou?
Pensei um pouco.
Charlotte: Não sei... Cinco?
Alexander: Não pode estar falando sério.
Ignorei.
Alexander: Você devia voltar mais cedo, acordar mais cedo.
Charlotte: Não se meta no meu trabalho. Vá embora, me deixe dormir.
Pegando um travesseiro próximo, joguei em direção a ele.
Alexander: Me respeite, você está livre por minha causa.
Charlotte: Não preciso de você.
Minhas palavras eram vazias. Estava com sono, sabia que precisava dele mas, por hora, queria que fosse embora.
Alexander: Nesse caso, eu adoraria ter o resto do meu escritório de volta.
Ele arremessou o travesseiro em minha direção, acertando exatamente o meu rosto. Não mexi nem um músculo.
Alexander: Levante. Já são duas horas.
Ele se levantou, e pude ouvir a porta abrir.
Alexander: Vou ser generoso. Você tem meia hora para se arrumar.
Finalmente, fiquei só.
Depois de alguns segundos, lentamente comecei a levantar. 
Charlotte: E mais um dia começou...
Vesti minhas roupas escuras de sempre. Procurava vestir algo mais casual quando não havia trabalhos, ou seja, tênis.
Em exatos trinta minutos, sai do meu quarto em direção ao estreito corredor espelhado. Bati na porta em frente a minha, e minha entrada foi permitida.
Alexander estava sentado atrás de sua mesa, esfregando suas têmporas.
Charlotte: Aconteceu alguma coisa?
Alexander: Parece que temos uma nova assassina por aqui.
Encarei-o, surpresa.
Charlotte: Quem?
Alexander: Não sabem o nome dela. Mas deram suas descrições.
Me sentei em cima de sua mesa.
Alexander: Loira, cabelos curtos, olhos verdes, pele branca...
Lembrei do meu disfarce de alguns dias atrás. Senti meu rosto esquentar.
Alexander: Você conhece?
Virei a cabeça, tentando esconder o pequeno nervosismo.
Charlotte: N-não...
Ele ficou pensativo por alguns segundos.
Alexander: Charlotte... Me diga que essa pessoa não é...
Charlotte: E dai? Ninguém nunca conseguirá me encontrar. Ao menos fizeram um retrato?
Ele negou.
Charlotte: Então, fim. Invente uma desculpa. Diga que... essa garota foi encontrada morta? Não sei.
Alexander: Você deve prestar mais atenção. E se esse for o primeiro de milhares? Eles vão te achar. Se eles te acharem, eu terei que...
Agora eu estava de pé, em frente a sua mesa.
Charlotte: O que você vai fazer? Me prender? Ah, faça-me o favor. O dia que eu desaparecer, sua vida se tornará um inferno. Você sabe que sentirão minha falta, e sabe que seu pessoal não iria se sair bem com o MEU pessoal.
Ele estava um tanto nervoso. Dificilmente brigávamos.
Alexander: E-eu... Não foi isso que eu quis dizer... Enfim...
Ouvimos uma batida na porta, e então ele olhou no relógio.
Alexander: Continuamos essa conversa depois. Agora, se puder...
Já sabendo o que ele iria pedir, me virei e voltei para o quarto.
Não faço a minima ideia de quem ele atendeu mas, alguns minutos depois resolvi sair. Fui até o beco.
No caminho, comecei a relembrar tudo o que havia acontecido enquanto eu estava com aquele disfarce. Eu me esforçava para nunca repetir. 
Empurrei a parede para que eu pudesse entrar. Já do lado de fora, notei que havia um silêncio maior do que na maioria das vezes em que eu visitava o lugar na parte da tarde. Seria perfeito para dormir.
A porta se abriu e entrei como sempre. Os sussurros que dominavam a sala pararam de repente. Dois frequentadores novatos do lugar estavam sentados ao lado da minha poltrona. Nela, um garoto que parecia  ter a minha idade estava sentado. Observei-o, rapidamente. Cabelos curtos e castanhos num tom escuro, como o meu. Seus olhos também eram castanhos, escuros como o cabelo. Vestia um sobretudo preto, aberto. Deixava a mostra sua camisa, calça e sapatos sociais, também escuros.
Ao contrário dos garotos que se afastaram ao notarem minha presença, ele não se moveu. Na verdade, ficou me encarando. Andei confiante até ele, e cruzei os braços. Suspirei.
Charlotte: Devo pedir licença?
Garoto: Tente.
Encarei-o com um olhar desafiador.
Garoto: Eu estava te procurando.
Agora, eu tentava esconder a surpresa.
Garoto: Estamos atrás da mesma pessoa.
Olhei para os outros da sala disfarçadamente. Me perguntava se eles haviam falado algo sobre Cristopher para o estranho, mas todos começaram a fazer sinais, negando minha pergunta.
Fiquei em dúvida. Ele se levantou. Permaneci imóvel. Ele era alguns centímetros mais alto que eu. Confesso que fiquei mais surpresa quando ele sussurrou em meu ouvido:
Garoto: Eu sei onde ele está. Você só precisa vir comigo.
Empurrei-o com força, fazendo com que caísse na poltrona. Ele sorriu de uma maneira assustadora. Levantou-se rápido e andou com passos acelerados em direção a mim. Devo ter ficado assustada porque, a cada passo seu, eu recuava. 
Senti minhas costas entrarem em contato com uma das paredes próximas a porta principal, e em seguida, ele colocou uma de suas mãos na parede, na altura de minha cabeça, fazendo com que qualquer tentativa de fuga vinda da minha pessoa se tornasse completamente inútil.
Seu rosto se aproximou do meu. Resisti a vontade de desviar o olhar. Precisava permanecer com uma aparência confiante naquele momento.
Garoto: Vamos fingir que você não fez isso, certo?
Permaneci em silêncio, com o olhar fixo no seu.
Garoto: Me ouça por um momento. Eu posso te ajudar, e você pode fazer o mesmo por mim. Estamos atrás da mesma pessoa, mas...
Charlotte: Você disse que sabia onde ele estava. Não precisa de mim.
Garoto: Eu sei o que falei, e eu tenho uma proposta para você. 
Com a mão livre, ele retirou um cartão do bolso, e então colocou no do meu moletom. 
Ele se afastou, deixando uma distancia aceitável entre nós.
Garoto: Me encontre. Não é isso o que você faz? Encontrar pessoas? 
Continuei encostada na parede, mas agora, com o corpo mais relaxado.
Ele seguiu em direção a porta.
Garoto: Talvez seja difícil, mas não desista.
Ele abriu a porta, e ao sair disse "até breve".
Fiquei em silêncio, encarando a porta por alguns segundos. Um dos frequentadores me questionaram sobre o rapaz que acabara de sair. Eu não o conhecia, e tinha dúvidas sobre sua personalidade. Mas, por outro lado, ele podia estar falando a verdade, podia me ajudar a encontrar Cristopher. 
Fui em direção ao meu lugar, e em poucos minutos o beco voltou a ser falador como sempre. Mas agora, eu estava em silêncio, colocando meus pensamentos em ordem. Cheguei a conclusão que, mesmo a probabilidade de eu estar cometendo um erro fosse enorme, eu iria me encontrar com o garoto. Mas agora, eu precisava descobrir como.

domingo, 8 de junho de 2014

Suspect - Capítulo 2: O policial

2. Não confie.
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Outras três armas foram apontadas para Cristopher. 
Naquele momento, percebi que nós dois morreríamos ali. Ele não podia fazer nada. Se atacasse um deles, outro atiraria nele. E provavelmente em mim também.
Mas claro, em nenhum momento foi dito ou demonstrado que minha morte faria diferença.
Enquanto Cristopher olhava para cada arma apontada em sua direção, o homem atrás de mim começou a falar.
Homem: Cristopher, Cristopher. Você cometeu um erro grotesco desta vez, não concorda?
Agora, os olhos de Cristopher eram semelhantes ao de uma fera selvagem. 
Minha vontade era de sair correndo, já que ninguém me segurava. Mas sabia que se o fizesse, morreria logo em seguida.
Depois de um longo tempo em silêncio, Cristopher reagiu. Chutando o braço de um garoto que estava com a arma em sua direção, ele o imobilizou e pegou o revólver. Apontando em direção ao homem que estava atrás de mim, ele deu um sorriso sarcástico.
Mesmo com outras duas armas apontadas para ele, Cristopher não tinha medo.
Cristopher: Para falar a verdade, não concordo de maneira nenhuma.
Em seguida, atirou no homem. 
Por reflexo, me virei. Vi um homem que vestia um terno não muito elegante, de aproximadamente um metro e setenta, cair no chão, morto.
Era a segunda morte que via e eu estava horrorizada.
Os outros dois que seguravam armas saíram correndo. Cristopher libertou o terceiro, que seguiu os outros dois.
O idoso asiático, dono da loja, se aproximou. Percebi que ele se escondia atrás de uma das prateleiras mais afastadas da atual cena do crime. 
Cristopher me encarava, enfurecido.
Cristopher: Eu vou embora agora. E você não vai me seguir.
Charlotte: Por que você vai embora? Para onde você vai? Me colocou nisso tudo, e agora vai me abandonar?
Ele se aproximou, olhando dentro dos meus olhos.
Cristopher: Exatamente.
Ele se virou para ir embora. Permaneci em silêncio.
Cristopher: Treine ela.
Em seguida, saiu.
Me virei para encarar o velho.
Charlotte: Me treinar... pra que?
Ele sorriu.
Idoso: Vamos tomar um chá.
Algumas horas depois, ele me contou sobre Cristopher, e disse que iria me treinar para ser uma assassina também. Perguntei se ele havia o treinado também, mas o idoso negou.
O treinamento durou pouco menos de um ano, e o idoso morreu algumas semanas após meu primeiro trabalho. Eu nunca descobri seu nome, nem se tinha algum parente.
Ele havia me dado as chaves do mercado alguns dias antes de falecer. Optei por fecha-lo e usa-lo como esconderijo no caso de extrema necessidade e, anonimamente, doei todos os produtos do mercado para diversos orfanatos. 
Percebi que receberia muitos pedidos de trabalho, então resolvi filtra-los, para não matar um inocente. Eu avaliava a vítima. Isso poderia durar alguns dias, como poderia durar alguns meses.


Um ano depois

Era domingo, meio de tarde. Estava procurando algo para passar o tempo, até chegar a hora do encontro com minha próxima vitima. Resolvi ir até o "beco".
O "beco" era um lugar que eu havia descoberto acidentalmente. Para chegar até ele, você deveria descer uma escada em formato espiral que ficava dentro de uma casa abandonada. Você iria encontrar diversas salas sem portas, e algumas até mesmo com apenas metade das paredes. Virando a direita e seguindo até o final do corredor, qualquer um que visse acharia que não tinha saída. Mas com um pouco de força, era necessário apenas empurrar a parede. Ela se encaixaria com outra, e então um recorte menor na parede que fora movida iria se destacar, revelando uma porta. Esse método só servia para entrar. O lugar havia diversas saídas, para o caso da polícia ou qualquer outro visitante indesejado aparecer. O beco não era para morar, e sim para os profissionais se reunirem sem se preocupar.   Lá, se reuniam quase todos os tipos de pessoas do crime. Porém, no meio de todos aqueles traficantes, mafiosos e outros malfeitores, eu era a unica assassina e a única mulher. Uma vez ou outra, alguma traficante aparecia para conversar com alguém do ramo, mas era só. Eu realmente era a única mulher e a unica assassina entre os "membros frequentes". 
Lembro-me bem do meu primeiro dia no beco. Ouvi alguns dizerem que eu não aguentaria um dia. Estavam errados e, na primeira semana, eu havia discutido com um dos mafiosos. Foi assim que conquistei o respeito dos outros membros. Após eu chegar no beco, um dos mafiosos resolveu me xingar. Eu simplesmente o humilhei, com palavras que ele mal sabia o significado. Ele ficou irritado e, se não fosse um de seus colegas, provavelmente teríamos partido para a agressão física. Assim, não conquistei apenas o respeito, mas também uma poltrona rasgada e velha. Ela era o lugar mais confortável do beco. Depois da discussão, sempre que notavam minha presença, se retiravam da poltrona para me dar espaço. No começo achei divertido, e logo me acostumei. Eu era respeitada por ali, e aquilo era muito bom.
Mais ou menos dois meses depois, o lugar foi invadido pela policia. Eu era a única que, até então, não tinha problemas com ela, portanto a responsabilidade de engana-la ficou por minha conta dessa vez, enquanto os outros se esconderiam nas passagens secretas.
Escutei as travas da passagem na parede começando a se abrir. Rapidamente, pensei num plano. Me deitando da melhor forma possível na poltrona, fingi tirar um cochilo. 
Eles entraram no local gritando. Continuei atuando. Senti que havia alguém perto de mim, e em seguida uma mão tocou meu ombro. Fingi me assustar, mas não fui convincente.
Policial: Você pode falar a verdade, ou nos acompanhar até a delegacia.
Sorri.
Charlotte: Não há nenhuma verdade para ser dita por enquanto. Por que deveria acompanha-lo? O senhor não sabe o caminho?
Ele não pareceu gostar.
Policial: Eu sei que há drogas aqui.
Charlotte: Isso não é problema meu.
Policial: Então é problema de quem? Não tem ninguém aqui além de você.
Charlotte: Eu não sei. Não estou aqui sempre. Poderiam se retirar, por favor? Eu tenho que trabalhar mais tarde.
Me virei em direção a poltrona novamente. Eu estava perdendo a paciência, não achava que seria tão difícil.
Policial: Ah, é mesmo? Com o que você trabalha? Prostituição? 
Charlotte: Assassinatos.
É claro que eu não deveria ter falado aquilo. Eu já não sabia mais o que estava fazendo. Fiquei de frente para ele. Ele permaneceu calado. Dei um meio sorriso.
Charlotte: Não esperava por isso, não é?
A principio, ele parecia pensar em algo.
Policial: Você vem comigo.
Após dizer isso, deu ordens para os outros homens continuarem as buscas. Em seguida, ele me pegou pelo pulso.
Charlotte: Não quero.
Tentei me livrar, mas ele era forte.
Policial: Ah, mas não foi uma pergunta.
Em seguida, ele me puxou em direção a saída. Olhei em direção as passagens, com a expectativa de que não tivesse mais ninguém ali.
Ele me levou em direção a delegacia. A principio, estava vazia. Me guiou por diversos corredores, até chegarmos no que parecia ser um escritório. Apenas nós dois estávamos lá. 
Policial: Pode se sentar.
Desconfiada, me sentei numa cadeira em frente a sua mesa. Ele trancou a porta e, em vez de se sentar na cadeira do outro lado da mesa, sentou ao meu lado.
Policial: Antes de qualquer coisa, eu me chamo Alexander.
Permaneci em silêncio.
Alexander: Você deve estar se perguntando...
Charlotte: O que você quer?
Alexander: Sua ajuda.
Ficamos em silêncio por alguns segundos.
Alexander: Existe um homem na cidade que está violentando garotas de diversos colégios da região. Mesmo que nós consigamos pega-lo... Ele irá para a justiça. Uma hora ou outra ele será solto e as chances de mudança serão minimas...
Charlotte: Ah, claro. E se vocês mesmos o matarem, poderão ser prejudicados. Então precisa de alguém para fazer o serviço sujo.
Alexander: Eu... Eu posso pagar!
Charlotte: Não importa o quanto você pague. Como eu sei que não irá me trair mais tarde? Você é um deles.
Me levantei e andei em direção a porta.
Alexander: Onde você está morando atualmente? Eu sei que não tem um endereço fixo...
Charlotte: Isso realmente não é da sua conta.
Toquei a maçaneta, e então ele se apressou em bloquear a porta.
Alexander: Espere!
Encarei-o, enfurecida.
Alexander: Vamos fazer uma troca.
Ele me mostrou algumas de suas pesquisas sobre sua vítima. Analisei cada folha com cuidado. A maioria das informações eram inúteis. Horas se passaram, e eu resolvi aceitar a proposta.
Levou um mês para que eu pegasse o estuprador. E, durante esse tempo, por incrível que pareça, Alexander e eu viramos bons amigos. Sua equipe ficou desconfiada no começo, mas logo os conquistei.
Vendo o meu trabalho, Alexander fez um acordo comigo. Secretamente, eu trabalharia para ele. Em troca disso, ele me daria um lugar para ficar, e deixaria meus colegas em paz. Eu também poderia continuar meu trabalho, desde que eu não matasse algum inocente.
Nos primeiros dias, fiquei desconfiada, mas logo ele dividiu seu escritório com vidros espelhados. Num lado, estava sua área de trabalho, agora reduzida. No outro, estava uma cama de solteiro e uma comoda, do tamanho ideal para guardar o que eu precisava.
Eu tinha uma casa agora. E um amigo também.
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