11. Não gaste balas a toa.
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A
delegacia não era nem um pouco perto do bairro de Santiago.
No
meio do caminho, fomos obrigados a esperar um dos sinaleiros voltarem à cor
vermelha para os carros, para não sermos atropelados pelos motoristas furiosos
com mais um dia de trabalho.
Scott
olhou seu relógio.
Scott: São
seis e meia.
Charlotte: E
daí?
Scott: Ele
já deve estar longe da delegacia.
Suspirei,
cansada pela corrida, mas ao mesmo tempo preocupada com as crianças.
O
sinal ficou verde para os pedestres.
Scott: O
que você quer fazer agora?
Trinta
segundos para atravessarmos antes que o sinal de pedestres voltasse ao
vermelho.
Scott: Charlotte?
Encarei
Scott, determinada.
Charlotte: Vamos
até eles.
Sem
esperar uma reação, corri o mais rápido que conseguia. Atravessei a rua e corri
até o final, cruzando a primeira esquina. Scott tinha dificuldades para me
acompanhar, mas eu não podia desacelerar agora. O beco onde havia visto o
assassino pela primeira vez estava ali.
Entrei
e fui até o final, onde estava a porta.
Scott
chegou logo em seguida. Ambos estávamos sem fôlego.
Charlotte: É...
Aqui embaixo...
Ele
ainda estava se recuperando.
Ficamos
em silêncio por provavelmente dois minutos, tentando normalizar nossa
respiração.
Ouvimos
um grito. Agudo, infantil, e logo soubemos que era delas.
Sem
pensar duas vezes, abrimos a porta.
Era
uma sala com apenas um dos cantos bem iluminado. Havia sangue seco no chão,
cadeiras quebradas, uma maca, e três homens com os olhares focados em nós.
Estavam surpresos.
O
homem que eu havia levado até a delegacia estava com sua perna enfaixada no
local acertado pela faca, sentado de costas para a parede, não muito longe da
maca. Wilson, o avô desesperado, estava em pé ao lado do assassino, com as mãos
no bolso. O médico, com um bisturi em mãos, olhava para nós e em seguida para o
patrão repetidas vezes.
Wilson: Saiam
agora e deixamos os dois em paz.
Seu
tom de voz era tranquilo, como se já tivesse feito aquilo antes.
Scott: Deixe
as garotas em paz e tentamos não matar vocês.
Wilson
lançou um olhar para o assassino e este entendeu a ordem. Ele levantou, armado.
Não perdeu tempo em atirar. Abaixados, Scott e eu fomos para lados opostos.
Scott
sacou sua arma e começou a revidar os tiros. Percebi que havia cometido um
erro. Não estava armada, não havia algo que pudesse usar para atacar.
Scott
acertou um tiro na perna do assassino, no lugar enfaixado. Ele gemeu e deu mais
dois tiros, dos quais um me acertou no braço.
Nem
mesmo a adrenalina pôde disfarçar a dor que senti. Por sorte, as balas haviam
acabado, dando-me tempo para correr antes que acontecesse mais alguma coisa.
Wilson
puxou uma arma e começou uma nova troca de tiros com Scott.
Corri
para trás de algumas caixas, sem ser notada pelo velho. Observei que o médico
estava abaixado atrás da maca de sua paciente, a qual permanecia em seu estado
de sono induzido por anestesias.
Um
grito começou a vir das caixas, um grito que acreditei reconhecer.
O
mais rápido que pude, comecei a vasculhar a caixa, procurando uma abertura ou
algum tipo de trava para tirar garota de dentro.
Por
um momento olhei para Scott, e vi que sua situação não era das melhores. Suas
balas haviam acabado, e ele estava dando seu melhor para desviar dos tiros de
Wilson. Scott logo iria se cansar, e aparentemente, ainda havia muitas balas
para serem gastas por parte do mais velho. Eu precisava ajudar.
Avistei
uma segunda caixa ao lado da qual eu tentava abrir. Movimentei-a, tentando
descobrir o que havia dentro, e logo soube que era algo pesado, mas não o
suficiente para me impedir de levanta-la. Com muito esforço e dor por causa do
tiro, ergui a caixa na altura de meus quadris — foi o máximo que consegui — e joguei, tentando acertar o
inimigo. Porém, ele viu e logo entendeu meu plano, de forma que, na hora certa,
ele se jogou no chão, de modo que o caixote se chocou contra a parede e se
quebrou, revelando sacos, agora boa parte
furados, de pó branco. Drogas.
No
entanto, isso teve um lado bom.
Scott
pulara em cima do velho. Falhou em imobiliza-lo, mas conseguiu afastar a arma.
Agora eles lutavam corpo a corpo.
Voltei-me
para a caixa onde se encontrava a garota e tentei achar qualquer tipo de
abertura, mas logo fui chutada no estomago para longe da caixa. A dor do tiro
foi substituída temporariamente pela dor do chute.
Me
virei, ainda no chão, para identificar quem praticara tal ato.
Ele
sorria vingativamente. Sua perna sangrava por causa do tiro de Scott, mas ele
parecia não ligar. Uma faca diferente estava em suas mãos.
Charlotte: Faca
nova?
Ele
me puxou pelo cabelo, de forma que fui forçada a ficar em pé. Tentei chuta-lo,
mas parecia que havia ficado mais atento.
Assassino: Comprei
especialmente pra você.
Senti
a lamina encostar no meu pescoço. Extremamente afiada.
Scott
conquistara a arma de Wilson, que estava com as mãos erguidas em sinal de
desistência.
A
garota gritava na caixa.
O
assassino sussurrava o que faria após me matar. Nojento.
E
então um grito de uma segunda criança surpreendeu a todos. A menina acordara.
Menina: Vovô!
Ninguém
ousou dizer uma palavra. Wilson se virou para encara-la, ela estava totalmente
confusa. Ele encarou Scott, seu olhar de raiva havia mudado para pena e
desespero. Estava preocupado com a neta, com o que ela veria.
Scott
abaixou a arma e indicou a criança. O homem primeiramente deu alguns passos
ainda de frente para Scott, receoso. Quando soube que podia confiar, correu até
a garota e a abraçou.
Scott
se virou para ver como eu estava lidando com a situação, e arregalou os olhos
ao ver o que acontecia.
A
faca do assassino permanecia em meu pescoço. Scott apontou a arma para
ele.
Assassino: Faça
isso e dou um fim nela.
Ele
pressionou a faca com mais força. Senti um corte, por ora insignificante, sendo
feito.
Scott: Faça
isso e dou um fim em você.
Por
sorte, Wilson se manifestou.
Wilson: Largue
a faca.
Não
sabia se estava preocupado com o provável trauma que a criança
sofreria se visse, ou se apenas estava sendo dominado
pelo temporário sentimento de compaixão causado pela inocência da
menina. Talvez, após o fim de tudo aquilo, ele até entrasse para o Greenpeace.
O
assassino permaneceu imóvel e as ordens tiveram que ser repetidas.
Finalmente,
fui solta. Ele me empurrou, com raiva, fazendo com que eu perdesse
o equilíbrio e caísse. Aproveitei a oportunidade em que Scott me
ajudara a levantar para lhe dizer, num sussurro, sobre a garota na caixa.
Fomos
até ela e começamos a procurar um modo de abrir. O assassino estava
visivelmente preocupado.
Assassino: Chefe?
Wilson
permaneceu em silêncio.
Consegui
achar uma trava.
Assassino: Chefe!
Scott
me ajudou a levantar a tampa. A garota estava encolhida, chorando. Estava num
estado deplorável.
Peguei-a
no colo, tentando acalma-la.
Scott: Onde
está a outra?
Wilson: Que
outra? Só há essa.
Scott: Você
a matou?
Wilson: Eu
não sei do que você está falando.
Scott
atirou, acertando o chão próximo aos pés do velho. Wilson se virou para o
assassino. Era difícil dizer quem estava mais preocupado.
Wilson: Mostre
a ele.
Assassino: O
que?
Wilson: Mostre
a ele.
As
ordens do velho eram firmes e nervosas. Tinha medo
que machucássemos a neta, já que estávamos em vantagem.
O
assassino murmurou alguns palavrões e guiou Scott até uma porta no canto da
sala.
Ao
sair, a expressão facial de Scott dizia tudo. A garota estava morta.
Scott: Aproveitem
seus últimos dias de liberdade.
Em
seguida, se direcionou a saída, enquanto avisava para deixar o corpo da garota
ali.
Eu
o segui, ainda com a criança no colo. Ela ainda chorava, e parecia ter mais
medo de Scott do que de mim.
Charlotte: O
que fazemos agora?
Scott: Temos
que entrega-la aos pais.
Notei
que Scott estava verdadeiramente cansado.
Scott: A
casa de Olivier é na próxima rua. Vou deixa-la lá.
Coloquei
a garota no chão.
Charlotte: Eu
vou com você. A delegacia é no mesmo caminho.
Ele
concordou.
Nos
apresentamos para a menina da maneira mais gentil possível. Tentamos dizer
coisas felizes como "você logo encontrará seus pais". Em poucos
minutos ela parecia ter esquecido tudo e começou a sorrir.
Guiando-a
pelas mãos, levamos a garota até seu avô. Nossa caminhada foi silenciosa, cada
um com seus pensamentos.
Oliver
observava a janela, e quando nos viu, imediatamente saiu da casa e veio até
nós. Chorou ao ver a neta. Ele a mandou para dentro da casa, e pelos gritos
logo soubemos que os pais estavam lá.
Oliver
começou a tirar notas altas do bolso, mas Scott disse que não precisava.
Scott: Eu
não matei ninguém. Na verdade...
Ele
suspirou.
Scott: Vamos
ter que conversar. Não agora. Você tem coisas mais importantes para se ocupar.
Oliver
pareceu entender. Abriu um sorriso de alivio e se despediu, voltando para a
casa.
O
céu estava ficando nublado.
Charlotte: Então
é isso.
Scott: Você...
Vai voltar para a delegacia?
Charlotte: É,
acho que sim.
Pode
ter soado rude, mas eu virei às costas e fui embora. Ignorei a quantidade de
vezes que meu nome foi chamado. Ignorei a chuva, que mal começara, mas já caia
agressivamente.
Percebi
que estava começando a me acostumar com a dor, o que não era bom sinal.
Avistei
um pequeno parque. Havia escorregadores e balanços para as crianças.
Subi pela
escada até o topo do escorregador, o "castelinho" em que as crianças
faziam fila para descer no brinquedo.
Respingos
da chuva ainda caiam sobre mim, mas não me importei. Concentrei-me no som da
chuva no teto alaranjado do castelo, e procurei descansar.
Eu
voltaria para a delegacia, mas naquele momento eu só queria ficar sozinha.
Sabia que se voltasse agora, haveria uma pequena chance de encontrar alguém que
me faria muitas perguntas, as quais eu não tinha a mínima vontade de responder.
Então,
senti algo. Algo quente. Não era o vento, mas sim a respiração de alguém, e
logo percebi que estava lentamente ficando mais próximo, abri os olhos.
Vindo
dele, já não saberia se devia ficar surpresa.
Se não
fosse pelo guarda-chuva preto ao seu lado, e pelo fato de que estava seco,
diria que havia acompanhado meu passo tranquilamente.
Scott: Oliver
me deu isso com a condição de vir atrás de você... E eu sempre cumpro a minha
palavra.
Permaneci
em silêncio, encarando-o. Jamais poderia imaginar que alguém viria atrás de mim
sem querer me prender, principalmente com o cansaço que podia acreditar que
ambos sentíamos.
Em
poucos segundos, seus lábios encontraram os meus.
Foi
um beijo calmo, doce. Nesse momento, foi como se todos os problemas tivessem
desaparecido. Pela primeira vez em muito tempo, pude me sentir verdadeiramente
tranquila.