— Ela está
nervosa.
— E você
não ficou?
As garotas
iniciaram uma discussão enquanto esperavam os resultados de seus testes de
agilidade. Observavam enquanto a novata aguardava ser chamada pelo líder no
corredor do mezanino, os cabelos platinados mudando constantemente de cor
enquanto reagia até mesmo ao zumbido de uma mosca. Skylar não se deu ao
trabalho de entrar no assunto, assim como ninguém a convidou. Todas sabiam da
sua persistência para se tornar uma dos Phoenia.
Os Phoenia
eram um dos grupos mais falados do reino, quase uma gangue, composta apenas
pelos melhores dos melhores. Ninguém se atrevia a procurá-los, assim como
ninguém recusava o convite quando contatado.
Ao
contrário dos grupos menores, não eram ladrões ou traficantes. Seu objetivo era
outro: proteger o reino da maneira que o rei não podia. Afinal, havia regras as
quais nem mesmo a maior figura de poder poderia quebrar, mesmo que para
proteger seu povo. Sempre haveria um julgamento do qual poderia surgir o
verdadeiro caos. Assim, os Phoenia eram o que a população local chamava de
“justiceiros”, apesar de os mesmos preferirem o termo “não-tão-burocráticos”. Era esse um dos motivos que fizera Skylar,
desde nova, admirá-los.
Não eram
tão incomuns solicitações para entrar no grupo. Muitos lutadores e outras
figuras de fama momentânea acabavam por buscá-los, ou melhor, em busca do
título, mas Skylar tinha apenas dezoito anos quando conseguira uma audiência
com Aron, o líder dos Phoenia. Ela não era popular, sequer possuía alguma habilidade
notável, o que levou os veteranos que acompanhavam a reunião gargalhar ao ouvir
o pedido da garota. Seu líder, no entanto, fora o único a levá-la a sério. Ele
jamais se esquecera da garota que, anos antes, perseguira seus membros na
tentativa de chamar a atenção. Era jovem e imatura demais para enfrentar a
realidade que cairia sobre seus ombros, de forma que a única coisa a qual recebera
fora um aviso nada sutil para parar. Ela o fez, mas nunca deixou de treinar.
Mesmo com a desaprovação da mãe, se mostrou verdadeiramente forte ao ir diretamente
até o líder. Seu desempenho nas provações fora motivo de repreensão para alguns
dos integrantes mais avançados que, apesar da maior agilidade por conta dos
anos de treinamento, não chegavam aos pés da eficiência da novata.
— Quem é
ela, afinal? — Annelysé se juntara as garotas na espera. Apesar do suor
escorrendo pelo pescoço, os cabelos loiros estavam perfeitamente em ordem.
— Ouvi
dizer que ela estudava naquele internato dos ricos. Parece que a magia se descontrolou
ou algo assim. Se Aron não a tivesse convocado, provavelmente teria sido
expulsa. — Franka parecia ter a informação em detalhes. Até mesmo Skylar teve
dificuldades em manter sua expressão neutra. Descontroles na magia eram
acidentes comuns, mas para resultar em expulsão deveria ser necessário algo
quase tão grave quanto a morte.
A porta da
sala de Aron se abriu e dois garotos saíram, as cabeças baixas sendo um sinal
de que haviam sido repreendidos. Os cabelos da garota mudaram para um tom
escuro de verde antes de serem possuídos pelo forte vermelho. A cor parecia
pulsar conforme ela tentava manter a calma.
Um
amontoado de envelopes fora jogado na mesa de reunião em que as garotas se
agrupavam, tirando o foco da novata. Todas avançaram ao mesmo tempo, cada uma
procurando pelo seu nome. Skylar esperara até que sobrasse apenas o seu.
Franka fora
a primeira a xingar, enquanto Anne se mostrou apenas satisfeita. A maioria
havia alcançado a média, enquanto Skylar alcançara quase todos os limites da
nota. Mais leves que o ar, mais mortais
que o diabo, era o lema. Ela sorriu com as observações dos avaliadores.
Não demorou
muito para que uma começasse a roubar os papéis da outra, todas tentando
descobrir as observações que cada colega recebera, comentando sobre a aspereza
e insensibilidade dos críticos. Skylar tentou evitar a socialização e se
manteve neutra até ter sua avaliação arrancada das próprias mãos. As gargalhadas
sumiram durante a leitura e ela apenas aguardou de braços cruzados.
— Pelos
deuses, Skylar. Eles te elogiaram!
— Sua nota
mais baixa foi 95. — Anne comentou, impressionada, mas não tanto. Costumavam
serem parceiras nas missões e eram boas amigas, de forma que já havia se acostumado
com a capacidade de Skylar.
— Poderia
ter sido 100, mas discuti com aquela vaca. — revelou.
— Como você
conseguiu passar pela altura? — Franka encarou Skylar, implorando por algum
conselho, e então seus olhos foram diretamente para os calçados da colega. —
Você fez a missão de SALTO?
Todos os
olhos se direcionaram para os pés garota, que calçavam uma bota de couro preto,
o cano curto e um salto de pelo menos dez centímetros. Skylar deu de ombros.
— Você só
precisa saber onde pisar. É como andar normal, só que num lugar mais alto e
mais estreito.
— COMO VOCÊ ANDA NORMAL EM UM CENTÍMETRO DE
CONCRETO? — Franka agora gritava. Suas notas sempre eram as mais baixas
naquela parte do teste.
O teste de
altura era dividido em diversas etapas, sendo a última semelhante a andar sobre
o parapeito de um prédio de seis andares, porém com mais empecilhos, como
estruturas falsas e ataques aleatórios. Skylar tinha plena consciência de que
sua nota cairia ao pedir, não muito gentilmente, para que a instrutora fosse
prestar serviços sexuais em um lugar não muito amigável quando a mesma tentara
acertá-la com uma esfera de fogo.
As garotas
começaram a trocar conselhos para determinadas partes do teste, comparando seus
desempenhos. Skylar contribuíra com algumas ideias e se oferecera para ajudar
três delas, incluindo Franka, que pareciam piorar a cada avaliação, quando uma
voz masculina interrompeu o falatório.
— Skylar. —
O tom cansado do coordenador fez a tensão surgir nos ombros da garota. Ela se
virou para encará-lo e ele fez um gesto para que o seguisse. Anne sussurrou um “boa
sorte” enquanto a amiga o acompanhava.
A sala de
Maxxwel era no segundo andar, uma mesa com três cadeiras em meio a grandes
quantidades de estantes, todas completas com pastas de relatórios. Ele se sentou
na grande cadeira que representava sua posição, não precisando pedir para que
ela também o fizesse. Esfregou o rosto com as mãos e suspirou uma vez antes de
começar. Tinha apenas trinta anos, mas a quantidade de trabalho parecia cansá-lo
o suficiente para deixá-lo com a disposição de alguém com sessenta,
principalmente quando se tratava de Skylar.
— Skylar. —
Ele disse, sem emoção. Maxx encarava os papéis em sua mesa como se tentasse
resolver uma equação. — Você só precisava pegar um livro.
— E eu
peguei. Está com Aron agora mesmo. — A tranquilidade em sua voz parecia apenas
cansá-lo mais, o que por um momento a fez se sentir culpada.
— Seis
guardas inconscientes.
— Não
deveria ter tantos numa sala como aquela. — murmurou. — E foi apenas um
sonífero.
— Um deles
não resistiu. Seu corpo não estava devidamente adaptado para receber um encanto
como esse.
— O mau
treinamento da segurança de um rico não é culpa minha.
— Não piore
as coisas, Sky.
— Por que
não me diz logo a punição e acabamos com isso?
— Sky... —
Ele fechou os olhos por um momento, escolhendo as palavras com cuidado. — As
punições existem para chamar a atenção. É para perceber o erro e não
repeti-los, mas você parece não se importar em precisar cumpri-las.
Ela revirou
os olhos.
— O que
você quer que eu faça? Adestre outra fênix? Ou polir as lâminas do arsenal?
— Que
inferno, Skylar. — Maxxwel se levantou, soqueando a mesa e derrubando alguns
dos objetos por ali. — Você não enxerga os seus erros? Não entende que não pode
fazer o que bem entender só para diversão própria?
— Eles só
estão dormindo, — rebateu — você sabe tão bem quanto eu que acordarão amanhã ou
depois.
— A questão
não é essa! Você está colocando em risco tudo...
— Tudo o
quê? — Skylar interrompeu. — Nós vivemos
em risco. É isso que fazemos. Todos os dias saímos para missões tão perigosas
que a guarda real não teve a capacidade de se envolver. Todos os dias perdemos
alguém. Me diga, Maxx, que outro risco pode existir além da nossa própria vida?
Ele
respirou fundo, encarando Skylar em silêncio enquanto tentava manter a calma.
Ela tinha plena certeza de que o coordenador estava queimando-a viva
mentalmente quando retomou a fala, dessa vez pacificamente.
— Aron
cuidará de sua punição. Não há mais nada que eu possa fazer para salvá-la de seus
próprios descuidos.
A boca da
guerreira se abriu, mas nenhum som saiu. Ser enviada para o líder era um caso
sério. Ninguém sabia o que poderia acontecer a partir dali.
— Pode se
retirar agora.
Retomando
os sentidos, Skylar o fuzilou com o olhar antes de se levantar e caminhar até a
porta, parando por um momento ao tocar a maçaneta.
— O guarda
pediu para morrer.
— Skylar,
estou pedindo com todo o respeito possível...
— Ele se
chamava Wanner, e tinha apenas dezenove anos. Passou três anos em treinamento antes
de ser recrutado. Ele foi estuprado pelos companheiros durante todo esse tempo.
Fez uma denúncia no primeiro ano, mas pediu o cancelamento por medo. Por isso a
história não ficou conhecida.
— E como
você soube disso?
— Eu li a
denúncia nos arquivos antigos da biblioteca, quando você me mandou organizar
meses atrás. Ele era o único na sala quando entrei. Cometi um erro e fui vista.
Quando me reconheceu como uma Phoenia, ele implorou. Queria uma morte digna.
Por isso atraiu os outros guardas para a sala.
— Você o
ajudou num suicídio. Isso não é digno.
— Não. Mas
para a família ele morreu exercendo seu dever.
O silêncio
que se seguiu deixou o ar pesado. Skylar começava a se arrepender da revelação
quando finalmente obteve uma reação do coordenador.
— Vou tentar conversar com Aron. — disse entre
suspiros. Skylar deu um meio sorriso, grata, mas sem perder o reconhecido
perigo no olhar.
— Vou
procurar uma fênix. — E então saiu.