segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Suspect - Capítulo 26: A guerra final


26. A diferença entre a amizade e a parceria é que, na primeira, você tem a certeza de que não levará um tiro nas costas. Literalmente.

Puxei o objeto da caixa, sem cerimônias. Não fiquei surpresa ao identificar a cabeça do ladrão sequestrado do beco, um tanto mais decomposto do que na ultima vez que o vira. Pela expressão de Todd, ele também o havia reconhecido.
Scott e Cristopher permaneceram calados, sem mostrar alguma grande emoção em relação ao “presente” do delegado. Com um suspiro, coloquei o membro de volta na caixa e a empurrei para Todd.
Todd: Eu...?
Charlotte: Não. Se ele souber agora vai querer vingança e essa definitivamente não é a hora certa. Ele vai cuidar da menina, não vai?
Todd assentiu. Se Sam descobrisse o que Alexander fizera, com certeza iria atrás de justiça pelo melhor amigo e morreria no processo. Bia, a filha do ladrão, sofreria mais uma perda.
Pegando a caixa, entregou para um dos homens que aguardavam na porta e sussurrou algo, provavelmente mandando se livrar do presente. Todd e eu compartilhamos um olhar de aflição antes que o mesmo saísse, deixando o resto de nós a sós.
Dessa vez ninguém falou. Scott sentou ao meu lado e Cristopher permaneceu na parede oposta. Depois de algumas horas todos havíamos dormido, despertando aleatoriamente durante o tempo. Na última vez em que eu havia acordado o sol já entrava pela janela e minha cabeça repousava no ombro de Scott.
Fechei os olhos novamente, ainda sonolenta. Supondo que Alexander não cometera um massacre, ninguém havia nos chamado, então ainda tínhamos tempo para descansar e...
Um tiro.
Levantamos todos, as armas engatilhadas.
Charlotte: Veio do telhado.
De costas para a porta, me virei de imediato quando escutei alguém passar por ela. Assim como eu, todos já estavam preparados para atirar. Santiago ergueu as mãos em sinal de paz.
Santiago: É um prazer revê-los também.
Soltando a respiração — que até então eu não sabia que havia prendido —, abaixei a arma e esperei alguma explicação. Olhando ao redor, percebi profundas olheiras nos assassinos. Eu também não deveria estar muito melhor.
Santiago: Um dos membros da equipe de Alexander tentou se aproximar do prédio, mas, como perceberam, isso já foi resolvido.
Seu tom era como se estivesse resolvendo um problema qualquer em alguma loja: “sentimos muito pela demora, seu produto será entregue na próxima sexta”.
Santiago: No entanto, eles estão nos testando. Ou tentando, pelo menos. Não vamos cair no truque. Charlie, você vai pra equipe da Ashley. O bonitinho ficará com o traficante e o nervosinho com o ladrão.
Nenhum dos dois reagiu aos apelidos, mas senti que algo havia acontecido e, por algum motivo, ninguém se importara em me contar.
Santiago: Mudaremos as equipes constantemente, então não se distraiam. E, pelo amor de qualquer divindade que vocês acreditem, não matem seus colegas.
Notei a ênfase quando Santiago olhou para Cristopher, que permaneceu em silêncio como se não soubesse do que se tratava. Curiosamente, eu também não sabia.
O latino deu um passo para trás, fazendo um gesto para sairmos da sala. Fui a primeira, seguida por Scott. Aguardei algum comentário dispensável do assassino, mas vi quando Santiago o chamou assim que passei pela porta, sussurrando algo.
Andei até a escada, me virando uma última vez para analisar a situação. Já fora da sala, Cristopher e Santiago pareciam discutir. O informante dizia algo calmamente, mas era óbvio que o assassino havia esgotado sua paciência. Scott estava encostado no batente da sala onde a equipe de Todd havia se estabilizado. Demorei alguns segundos para perceber que me encarava. Pela primeira vez em muito tempo eu não soube ler seu olhar, de forma que precisei de algum esforço extra para me virar e seguir o caminho rumo ao telhado.
Eu estava na metade do caminho quando ouvi a voz de Cristopher ao meu lado. Não deveria ser possível, já que ele ainda discutia com o latino quando me retirei.
Cristopher: Devíamos ir para alguma das portas. Tenho certeza que não sentirão nossa falta por alguns minutos.
Não me dei o trabalho de encará-lo.
Charlotte: Não sentirão a sua, você quer dizer. Tenho certeza que estão torcendo para que você caia da escada acidentalmente e quebre o pescoço.
Dei-me o luxo de parar por um momento em um dos degraus. A ideia não era ruim e ele não estava com tanta vantagem. Não pude deixar de sorrir com o pensamento.
Cristopher: Não se esforce. Você não conseguiria me derrubar sem atirar e chamar a atenção dos outros.
Charlotte: Está me desafiando?
Sem responder, ele desceu um degrau, ficando no meio. As mãos pendiam nas laterais do corpo e seu rosto era quase que pacífico.
Por um momento comecei a montar uma estratégia, mas recuei alguns degraus acima quando vi os primeiros reflexos do corpo em movimento, avançando para me agarrar.
Charlotte: Você é doente.
Voltei a subir as escadas, dessa vez com um pouco de pressa, e ele riu.
Cristopher: Tudo bem, você está indisposta. Mais tarde talvez.
Revirei os olhos. Cada interação com Cristopher me fazia perguntar como ninguém o havia matado ainda.
Não havia muita conversa quando cheguei ao telhado. Ashley estava em pé no meio do ambiente, observando e, vez ou outra, dando ordens para sua equipe. Atrás da parede onde ficava a escada, haviam improvisado um pronto socorro onde duas garotas eram atendidas.
Ashley: Charlotte.
Ela deu um sorriso fraco. Me aproximei, compartilhando da falta de animação.
Charlotte: Como estão?
Ela olhou em volta por um momento antes de responder, parando nas garotas feridas.
Ashley: Eles acertaram duas, mas nós os pegamos. No entanto...
Ashley fez uma pausa sem desviar o olhar. Quando voltou a falar, sua voz era apenas um sussurro.
Ashley: Acho que ela vai perder o braço.
Não sei exatamente como reagi. Acidentes como esses eram quase tão comuns quanto morrer durante o trabalho, mas, ainda assim, talvez eu tenha ficado um tanto chocada. Procurei agir normalmente.
Charlotte: E a outra?
Ashley: Desmaiou. Pressão baixa.
Charlotte: Ah.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Vez ou outra Ashley fazia alguma pergunta ou dava alguma ordem, uma troca de posição ou um aviso para se hidratarem. Sempre admirei como a traficante se preocupava com suas garotas. Era quase como se fossem suas filhas.
Uma garota vestida totalmente de preto, com exceção de uma faixa azul no braço direito, trouxe um copo grande com algum conteúdo quente.
Garota: Senhora.
Ela pegou e agradeceu brevemente, dispensando a menina.
Ashley: Usamos as faixas para marcar as funções. Azul cuida da alimentação e hidratação, laranja para as enfermeiras, branco para as atiradoras, verde para as mensageiras. Fazemos um rodízio a cada doze horas, com uma hora de descanso.
Charlotte: Em que posso ajudar?
Ela pensou um pouco.
Ashley: Seria bom se você pudesse me ajudar a coordenar. Apenas mantê-las seguras, não deixar que ultrapassem os limites.
Concordei sem hesitar. Ashley estava tomando conta de todas, mas parecia estar esquecendo de si mesma.
Ashley: Mas e você? Como está? Precisa de algo? Está com fome?
Mesmo cansada, era visível certa agitação na sua voz.
Charlotte: Água seria bom.
Ela fez um gesto para uma das meninas de azul e, sem precisar de palavras, uma garrafa de água gelada foi entregue antes que eu pudesse piscar.
Charlotte: Obrigada.
Ashley esperou que a menina se retirasse para iniciar um novo assunto. Ela já parecia quase normal de novo.
Ashley: E então?
Charlotte: O quê?
Ashley: Você pode me contar, sabe.
Charlotte: O quê?
Eu não soube de primeira sobre o que ela estava falando, mas comecei a ter uma ideia logo depois. Suspirei.
Charlotte: Não tem nada acontecendo.
Ela sorriu.
Ashley: Você tem certeza?
Charlotte: E por que não teria?
Ashley: Bom... Ele não parece saber disso. E você não seria cruel a ponto de iludi-lo. Quer dizer, você viu a última briga dele com o babaca?
Gostei da maneira como ela se referia a Cristopher.
Charlotte: O que aconteceu?
Garota: Chefe!
Havia uma urgência controlada na sua voz. A atiradora não ousara desviar o olhar da sua mira. Ashley andou apressadamente até a garota e observou o mesmo que ela. Escutei quando xingou.
Olhando rapidamente para uma das mensageiras, a traficante iniciou ordens, agora gritando.
Ashley: Avise Santiago. Branco em posição. Tirem as feridas daqui. Azul e todas em repouso: se preparem para a retirada. Preciso de duas mensageiras e o resto deverá seguir com as outras.
Vi que seu copo estava caído ao lado de uma atiradora. Toda a equipe executava suas tarefas com as armas em mãos. Ela hesitou e, por um momento, respirou fundo. Seus olhos azuis encararam os meus com uma preocupação extra, como se não soubesse como eu reagiria.
Ashley: Eles estão aqui.
A traficante mal havia terminado a frase quando o tiroteio de fato começou. Entendendo o recado, desci correndo as escadas para me juntar aos outros, a arma também em mãos. Eu podia sentir a adrenalina da luta, o coração batendo forte. Já havia algum tempo que eu não tinha essas emoções, o que me surpreendeu um pouco.
Santiago estava no centro de um tumultuado círculo formado pelas equipes. Pude ver Scott e Cristopher na frente e me juntei a eles, empurrando algumas pessoas no caminho.
Santiago: Vamos diminuir as equipes e misturá-los. Lembrem-se que eles não terão piedade. Não tentem negociar, conversar ou distrair. Se tiverem a oportunidade de matá-los, façam-no.
Ele fez uma pausa, um tempo para seus ouvintes colocarem os pensamentos em ordem.
Santiago: As equipes que organizei inicialmente.
Algumas pessoas entraram no círculo e o resto se calou.
Santiago: Certo, estão todos aqui? Ninguém morreu nas últimas horas?
Ninguém se manifestou, o que era um bom sinal.
Santiago: Ashley e... Onde está a Ashley? Bom, ela sabe o que fazer. Ashley e Castellor irão pelo caminho A. Charlotte e Cristopher pelo caminho B. Scott e Todd pelo caminho C.
Além do ladrão, ficou claro que ninguém havia gostado de suas duplas. No entanto, o tom do informante mostrava seriedade. Ele não criaria riscos, então não podíamos desconfiar de suas ações.
Santiago: As equipes irão na frente, abrindo a passagem para as duplas. Os caminhos levarão vocês para fora do prédio, direto para onde estaremos lutando no lado de fora. Vocês sairão do subsolo em posições estratégicas para não aparecerem em meio ao fogo cruzado. Estejam preparados para entrarem no combate assim que virem a luz do dia.
O silêncio permaneceu quando as explicações acabaram. De repente era como se todos quisessem que o latino possuísse mais alguma informação, algum detalhe que pudesse ser mais aprofundado.
Eles estavam com medo. Nós estávamos com medo. E havia razão para isso.
Olhando ao redor, pude perceber que a maioria ali presente eram garotos e garotas menores de idade. Cada um com sua história, seus problemas, algo que os motivou a estarem ali. Ainda assim, eram jovens com sonhos, esperanças, e estava claro que a maioria jamais havia encarado a morte tão de perto.
Não pude evitar um suspiro. A maioria ali também não sobreviveria.
Santiago: O que vocês estão esperando? Esses sons são tiros, não passarinhos cantando. Temos trabalho a fazer. iAndále!
Como se acordados de um transe, todos seguiram para seus respectivos lugares. Apenas as duplas e as equipes permaneceram no lugar.
Santiago estava certo quando falara dos tiros. Não houve sequer uma pausa desde que tudo começara, o que nos levou a nos acostumar rapidamente ao som.
Ashley: Estou aqui!
Ashley desceu correndo as escadas. Metade de sua blusa estava coberta de sangue, o que pareceu assustar os que ainda estavam ali. Ela olhou para baixo por um momento.
Ashley: Ah. Não se preocupem, não é meu.
Pude notar que seu rosto estava inchado e os olhos vermelhos. Por mais que agisse normalmente, era óbvio que havia chorado. Ninguém ousara mencionar isso.
Santiago: Ótimo. Agora vão. Um, dois, três.
As equipes começaram a correr conforme foram chamadas. Christopher e eu seguimos a nossa, já que não sabíamos o caminho.
Entramos numa sala vazia e suficientemente empoeirada para podermos ver pegadas no chão. Enquanto uma das garotas da equipe destrancava um alçapão, me virei uma última vez para observar a correria da outra equipe na sala oposta, que identifiquei como a de Scott e Todd.
Todd sumira rapidamente de vista, sendo o primeiro a entrar na sala. Scott aguardava sua equipe entrar quando nossos olhares se encontraram. O assassino havia abandonado o paletó, as mangas da camisa social dobradas até os cotovelos. Ainda era visível algumas marcas da luta com Cristopher, o único sinal de que não estávamos ali tanto tempo quanto parecia.
Garota: Charlotte.
Me virei e todos pareciam me encarar. Alguns já haviam passado pela passagem e eu sequer havia percebido. Recuperando o foco, desci o alçapão logo depois de Cristopher. Ainda não confiava no assassino para deixá-lo as minhas costas.
A única luz no lugar eram alguns isqueiros acesos pela equipe. Assim que a porta fora fechada, a garota — que eu começava a acreditar que era a líder — entregou um para quem ainda não havia recebido. Cristopher imediatamente começou a acender e apagar, como uma criança com brinquedo novo.
Observei a equipe por um momento. A líder estava no centro de um semicírculo, as mãos na cintura enquanto parecia auxiliar um dos garotos. Tinha o cabelo preto e cacheado até a pouco acima da metade das costas. Estava coberta de arranhões, sangue seco e poeira. A roupa rasgada ainda mostrava alguma lembrança de um dia ter tido uma cor.
Havia ali outros sete jovens, mas era difícil estimar uma idade. Além da líder, havia apenas mais uma garota, a segunda sem nenhum atrativo aparente. Os garotos pareciam mais cansados, um deles até mesmo apavorado. Me perguntava se Santiago realmente sabia o que estava fazendo.
A líder se virou para mim e Cristopher, que estávamos no lado oposto ao meio círculo inicialmente formado.
Garota: Dara.
Ela esticou a mão.
Cristopher: Dar o que?
A garota revirou os olhos, sem muita paciência.
Garota: Meu nome é Dandara. Significa “princesa guerreira”. Vocês podem me chamar de Dara, mas, particularmente, preferiria que você não me chamasse.
Com certeza Dara pertencia a equipe de Ashley. Estava visível na sua postura em relação a situação.
Cristopher apenas sorriu, não parecendo afetado ao comentário da garota.
Dandara: Nós iremos na frente, limpando caso alguém tenha invadido. O caminho é longo e há muitas brechas, então tomem cuidado para não se perderem. Há um ponto em que o caminho C se unificará ao nosso, então mantenham a atenção para não matarem a outra equipe.
O silêncio dominou por alguns segundos. Dara sacou a arma e os outros fizeram o mesmo.
Dandara: Vamos.
Em seguida, correram todos por um estreito corredor de pedra, o som dos passos sumindo aos poucos e a iluminação enfraquecendo, deixando apenas dois isqueiros acesos.
Permanecemos quietos enquanto aguardávamos algum tempo para seguir. Era um silêncio estranho, mas inevitável. Preferia isso a ouvir qualquer comentário dispensável de Cristopher.
E então comecei a me lembrar. Não pude resistir.
Charlotte: Por que Scott está atrás de você?
Cristopher: Sei lá. Por que precisa falar dele? Vamos falar de nós.
Ele avançou um passo ao mesmo tempo que andei para o lado, não deixando que nos aproximássemos.
Charlotte: Não desvie do assunto.
Cristopher: Que assunto?
Por um momento me perguntei qual seria a doença dele, mas sorri ao perceber um detalhe.
Charlotte: Ele o afeta.
Vi a postura do assassino endurecer só um pouco.
Cristopher: O quê?
Charlotte: Scott o afeta. Há algo entre vocês, mas...
Meu cérebro só processou o acontecimento alguns segundos depois. De alguma forma, agora eu estava contra a parede de pedra, as costas doendo. Cristopher impedia a fuga com seu próprio corpo, extremamente próximo do meu. Socou a parede, que ganhou uma nova rachadura, mas não vi qualquer sinal de dor em seu rosto. Na verdade, eu via apenas fúria.
Cristopher: Você não consegue calar essa porra de boca?
Sua voz estava dura, irritada, e seu olhar era mais do que assassino. Não me deixei abalar.
Charlotte: Finalmente encontrei sua fraqueza.
Cristopher me bateu. Um forte tapa rosto que fez meus olhos involuntariamente lacrimejarem e a pele arder. Ainda assim, sorri.
Charlotte: Você...
Antes que eu pudesse completar a frase, o assassino levou uma de suas mãos ao meu pescoço. Automaticamente tentei afastá-lo, mas meus esforços eram em vão.
Cristopher: Eu o quê?
A falta de ar começava a me incomodar.
Charlotte: Você... é um...
Ele apertou com mais força e tentei conter um gemido. Seu rosto era neutro.
Charlotte: Idiota.
Cristopher me lançou ao chão, me dando menos de meio segundo para recuperar o fôlego antes de puxar meu cabelo, obrigando-me a levantar. Pude sentir sua respiração na minha nuca e, por um momento, me permiti sentir nojo. Começava a acreditar que aquele era o ser humano mais repugnante que já havia conhecido.
Cristopher: Implore.
Charlotte: O quê?
Cristopher: Implore pela sua vida.
Ri em resposta. Eu não implorava. Muito menos para alguém como ele.
Escutei o engatilhar do revolver seguido do toque do cano na minha têmpora. A cena de seis anos atrás apareceu diante de mim por um momento.
Charlotte: Você não vai me matar.
Cristopher: Sua confiança me impressiona.
Charlotte: Obviamente porque falta alguma em você.
Um momento de silêncio. Senti seus lábios encostando na minha orelha quando sussurrou:
Cristopher: Isso ainda não acabou.
Em seguida me soltou bruscamente, pegando seu isqueiro que em algum momento fora parar no chão. Sem olhar para trás, avançou no corredor.
Respirei fundo por um momento e meus olhos novamente lacrimejaram. Precisei lutar para não chorar, mesmo sem entender exatamente o porquê. Quando olhei para baixo, minhas mãos tremiam.
Contei até dez mentalmente e então me recompus. Pegando a arma e o isqueiro, segui pelo corredor rapidamente, não querendo ficar mais para trás do que já estava. Soube que estava no lugar certo quando ouvi o som de tiros.
Apressei o passo quando escutei um grito. Dara havia acabado de atirar num policial que tombou no mesmo instante. Um segundo apareceu pelas suas costas enquanto ela lidava com um terceiro numa luta corporal. Sem hesitar, atirei antes que o homem o fizesse, atingindo sua nuca. O corpo foi imediatamente de encontro ao chão.
Dara olhou para o corpo uma vez antes de terminar com o homem que a atacava. Retomou o fôlego antes de pegar a arma de um dos mortos. Percebi então que estávamos sozinhas ali.
Charlotte: Onde está o resto?
Dara: Do que?
Charlotte: Da equipe. Ainda tinha outros sete, não?
Dara: Ah. Dois já foram. O resto avançou para acabar com as surpresas. Vamos?
Ela era prática. Não parecia sentir a perda, o que era uma vantagem naquela situação. Me perguntava qual seria sua idade.
Enquanto avançávamos pelo corredor, encontramos alguns corpos e rastros de sangue. Felizmente, nenhum era da nossa equipe. Não demorou muito para desvios aparecerem, provavelmente as ligações entre os caminhos. Um grito e o som de tiros vieram de direções opostas. Dara correu ao ouvir o primeiro, enquanto segui na direção dos disparos numa das curvas.
Scott havia acabado de acertar o peito de um dos policiais quando o reconheci. Um segundo, armado com um pedaço de madeira, fora mais rápido e acertara-o nas costas, derrubando o assassino e o afastando de sua arma. Ele tentou levantar e recebera um chute no estômago. Pude escutar seu gemido.
O policial estava pronto para golpeá-lo uma segunda vez com a madeira quando atirei, a dor o atordoando. Tive certeza que estava morto nos dois disparos seguintes.
Corri até Scott, que agora estava curvado e já se preparando para levantar. Sua blusa estava rasgada em alguns pontos, revelando cortes e hematomas.  Sua dificuldade para respirar era clara.
Charlotte: Você está bem?
Ele respondeu com um olhar, poupando a energia com as palavras. Peguei sua arma e a estendi, esperando que pegasse.
Charlotte: Não é uma boa hora para morrer, você sabe.
Scott sorriu, o que me impressionou por um momento. No seu lugar eu ainda estaria praguejando pelos últimos golpes recebidos. Quando levantou, menos ofegante, mas visivelmente cansado, seu olhar ainda possuía certa malícia.
Scott: Está dizendo que sentiria minha falta?
Revirei os olhos.
Charlotte: As equipes estão diminuindo, não podemos perder mais pessoal.
Eu mal havia terminado a frase quando Scott me empurrou para a parede, seu corpo totalmente sobre o meu. Sua respiração em meu pescoço causara arrepios enquanto via dois tiros atravessarem o corredor e escutava um curto grito.
Ele se afastou o suficiente para observar Todd vindo do mesmo caminho que fora perseguido pelo policial alguns minutos atrás. Com a arma em mãos, parecia tranquilo, porém impaciente.
Todd: Estou com fome. Vamos acabar logo com isso.
O traficante continuou andando enquanto Scott permanecera imóvel, sem sinais que sairia daquela posição.
Charlotte: Acredito que temos algo pra fazer.
Scott: Concordo.
Antes que eu pudesse calcular as possíveis reações, Scott me beijara. Demorei alguns segundos mais do que gostaria para afastá-lo.
Charlotte: Qual o seu problema?
Scott: Você disse que tínhamos algo a fazer.
Seu olhar revelava todas suas intenções, e ele não fez questão de escondê-las. Era quase inacreditável sua aparente facilidade com toda a situação.
Charlotte: Não isso!
Scott sorriu e, mesmo com nossa situação sendo uma das piores, ele conseguira me divertir. Mas ele não precisava saber disso.
Scott: De qualquer forma, não pude perder a oportunidade. Deus sabe quando poderei repetir a ação.
Ele deu um rápido beijo na minha bochecha antes de sair correndo na mesma direção de Todd. Senti meu rosto esquentar por um momento, mas a reação logo passou quando ouvi um grito vindo de um terceiro corredor a minha frente. Comecei a correr, mas parei ao ouvir uma conversa.
Homem 1: Quantas dessas vadias eles tem? Já acabei com umas quinze.
Aquelas palavras pareceram pesar em alguma parte de mim.
Homem 2: Não faço a mínima ideia, mas o delegado não sabe fazer contas. Eles têm pelo menos o dobro da nossa equipe.
Homem 1: Vamos ficar por aqui e esperar o tempo passar. Se alguém aparecer, nos livramos. Não me programei para morrer hoje.
O segundo concordou e ouvi enquanto se sentavam no chão. Ouvi suspiros e silêncio se seguiu. Me aproximei, evitando fazer qualquer ruído, e tentei observar. Estavam sentados no lado oposto da poça de sangue que se formava, o uniforme sujo e gasto.
Foi quando tentei me aproximar mais que cometi um erro, pisando em algo que ruíra e virara pó. Os olhares vieram em minha direção e imediatamente atirei no mais próximo, acertando sua testa. O segundo se levantou no mesmo instante e atirou, mas seu único acerto fora a parede para a qual corri.
Seus passos ecoavam no corredor enquanto se aproximava. Não havia luz o suficiente para estimar a distância pela sombra, mas eu sabia que não era um caminho longo. No último segundo, o som de um tiro próximo fez com que eu recuasse alguns passos e visse sangue jorrar da cabeça do policial enquanto seu corpo caía morto no chão. Pedaços do crânio sumiam em meio a poça que se formava.
Cristopher apareceu em seguida, assustadoramente silencioso.
Cristopher: Nenhum elogio? Agradecimento?
Revirei os olhos enquanto me virava para voltar ao caminho principal. Ele precisou apressar o passo para me acompanhar.
Andamos por algum tempo em silêncio. Não notei tensão ou qualquer medo em Cristopher, mas era estranho não vê-lo se esforçar para falar alguma besteira. Atravessávamos o quarto corredor quando ele finalmente falou algo.
Cristopher: Vocês vão assumir depois disso?
Charlotte: Assumir o quê?
Ele riu, debochando. Encarei-o, sem entender.
Cristopher: Ah, pare. Esse jogo de vocês me enjoa.
Charlotte: Fico cada vez mais feliz por não entender as idiotices que você fala.
Cristopher: Quanta grosseria. Já pensou que talvez seja por isso que está abandonada?
Dessa vez não respondi. Cristopher dizia muitas besteiras, mas eu podia sentir o veneno nas palavras. No entanto, não encontrei o objetivo oculto.
Cristopher: Parece que finalmente encontrei o que lhe afeta.
Ele sorriu, um sorriso repulsivo mostrando seu orgulho próprio e me incitando a tirá-lo com o punho. Mas então algo me veio a mente, e foi como se tudo se encaixasse repentinamente.
Charlotte: Tente novamente. Compare nossas posições. Posso não ter tido uma família, e posso ter sido traída por um colega, mas, se quando tudo isso terminar eu ainda estiver viva, ninguém me acertará pelas costas. Já se eu fosse você, jamais teria aparecido.
Seu sorriso desapareceu ao mesmo tempo que a postura mudou. Eu estava começando a entendê-lo, mas aparentemente ele ainda não sabia muito sobre mim.
Charlotte: Você precisa de nós, não é mesmo? Estavam chegando perto. A única maneira de despistá-los seria iniciando essa guerra. Por isso apareceu.
Ele demorou a responder.
Cristopher: Você é esperta.
Charlotte: Sou muito mais que isso.
Passamos por vários corpos, muitos reconheci como do nosso lado, quando chegamos à última saída. Encaramos o pedaço de madeira no teto por alguns segundos. Era possível ouvir o tiroteio que acontecia, gritos de ordens ou acertos de tempos em tempos.
Cristopher: Primeiro as damas.
Sorri com o cavalheirismo forçado.
Charlotte: Nunca deixarei você ficar atrás de mim.
Avançando para empurrar a madeira, ele me olhou uma última vez antes de subir, uma daquelas olhadas de cima a baixo.
Cristopher: Podemos mudar isso se sobrevivermos.
Subi em seguida e nos encontramos logo atrás de um carro praticamente inutilizado. Um dos aprendizes de Todd atirava contra os policiais. Ele fez uma pausa ao nos ver.
Aprendiz: Finalmente. Acharam que vocês estavam mortos.
Em seguida o garoto gritou um código que não reconheci.
Aprendiz: A maioria dos tiras já foram eliminados. Estamos tentando nos aproximar do delegado.
Percebi que estávamos num novo nível quando vi um policial se aproximar pelas costas do aprendiz. Estava devidamente protegido, com a roupa cobrindo seu corpo por inteiro e o capacete como um extra. Puxei o aprendiz em direção ao chão no exato momento em que ele atirou, caindo morto segundos depois. Numa das janelas dos prédios, um dos nossos atiradores se escondia.
O aprendiz agradeceu enquanto se levantava.
Charlotte: Estamos em vantagem?
Aprendiz: Talvez sim. Não sei quantos já perdemos desde a última contagem.
Ele voltou ao tiroteio enquanto segui para a ponta oposta do carro. Cristopher já se encontrava atirando e acabei por lhe dar cobertura. Poucos minutos se passaram quando uma barreira humana se formou no meio da rua, um sinal sendo repassado para que ninguém atirasse. Aproveitei o momento de reorganização para avaliar a situação.
Estávamos um pouco mais a frente na rua do prédio que havíamos passado as últimas noites. Santiago estava no topo de uma das construções abandonadas, a arma em mãos, junto com outros quatro atiradores postos ao seu lado. Nas janelas, algumas das armas estavam visíveis. Observei outros jovens escondidos atrás de paredes e automóveis, alguns acompanhados de poças de sangue ao seu lado. Vi Ashley e Todd atrás de um carro branco, cada um em um lado, preparados para atirar até mesmo numa mosca. Procurei Scott sem sucesso, o que me deixou preocupada por um breve momento. O sentimento passou quando Alexander apareceu no centro da barreira.
Alexander: Em primeiro lugar, gostaria que não atirassem em meus homens.
Mal terminara a frase, um tiro acertou propositalmente o chão a sua frente. A julgar pelo a coloração vermelha de raiva em seu rosto, não deveria demorar muito para o delegado explodir.
Alexander: Eu proponho um acordo: me entreguem a assassina e todos aqueles que não forem pegos ao fugirem não serão perseguidos.
Risos vieram da nossa equipe. Era um tanto macabro ouvir as vozes mas não encontrar seus donos.
Vi Santiago sussurrar algo e, segundos depois, os atiradores do prédio se preparam.
Fora necessário apenas um tiro do latino para que outros se seguissem, mirando a barreira do delegado. Alexander se abaixou enquanto seus colegas caíam um a um. Alguns tentaram revidar, mas as balas vinham de todos os lados, literalmente. O silêncio se seguiu, esperando que o mesmo reagisse.
Alexander demorou a levantar. Quando o fez, olhou para cima, em direção a Santiago. Seguimos o seu olhar e a visão me deixou boquiaberta, seguida por fúria.
Os atiradores ao lado de Santiago haviam posto suas armas no chão, agora ajoelhados e as mãos na cabeça. Policiais atrás deles os miravam, e o informante recebia tratamento especial: o único em pé, forçado a olhar a cena que se seguiria. Sem sua liderança, teríamos que seguir o instinto.
Alexander: Darei uma segunda chance a vocês.
Sua voz soava irritantemente vitoriosa.
Alexander: Me entreguem a assassina e seus colegas não morrerão mais hoje.
Silêncio. Alexander estava sozinho no meio da rua, um revólver nas mãos. Se possuía reforços, estavam escondidos ou sendo mortos aos poucos.
Cristopher se aproximou e esperei seu plano. Em vez disso, recebi seu cotovelo em direção ao meu rosto. Meu nariz imediatamente começou a sangrar quando, despreparada, o assassino me golpeou pela segunda vez, dessa vez fortemente no estômago, me fazendo perder a respiração por tempo o suficiente para me desarmar. Tive tempo apenas de ver o aprendiz de Todd caído no chão, o pescoço quebrado, antes de ser arrastada para o meio, ainda a uma certa distância do delegado. Murmúrios repercutiram pelo local.
Utilizando um dos braços para me asfixiar e impedir de reagir, senti o cano da arma de Cristopher na minha cabeça.
Cristopher: Não ligo pro resto. Entrego a garota pela minha liberdade.
Escutei um grito feminino xingando o assassino e supus ser Ashley. Alexander, que apontava sua arma para nós, não respondeu. Enquanto isso, Cristopher começava a realmente me machucar.
Cristopher: O quê? Vai voltar atrás?
Ele engatilhou a arma e por um momento senti desespero. No entanto, Alexander apenas sorriu. Senti a tensão surgir nos músculos do assassino e logo entendi o porquê.
Alexander: Mudança de planos: os dois no chão, agora.
Cristopher raivosamente me empurrou em direção ao chão enquanto se ajoelhava lentamente ao meu lado. Vi, enquanto tentava me recuperar, o “lacaio” do delegado mirando o assassino de perto. Em outra situação, eu o teria matado com minhas próprias mãos.
Alexander se aproximou lentamente, sorrindo como um ganhador.
Alexander: Eu esperava mais de você, Charlotte.
Me recusei a encará-lo. O som de sua arma engatilhando fora o suficiente para despertar todos.
Permaneci no chão enquanto Cristopher rapidamente se levantava e atirava no delegado, que ao mesmo tempo tentou atirar em mim, errando por poucos centímetros. Um terceiro surgiu, acertando o mais jovem no mesmo momento em que acertara Cristopher.
Nos quinze segundos seguintes, dois dos policiais que ameaçavam os atiradores de Santiago haviam sumido, enquanto os outros dois lutavam corpo a corpo com os quatro. Escutei o curto grito do homem que ameaçara o latino e o vi caindo do prédio. Dentre os diversos tiros disparados para o restante da equipe de Alexander, alguns foram em direção ao homem. Depois disso, o silêncio seguiu.
Permaneci abaixada por incontáveis segundos até, aos poucos, os sobreviventes saírem de seus esconderijos. Respirei fundo antes de criar coragem para levantar, permanecendo inicialmente de joelhos até uma mão ser oferecida para me ajudar. A encarei por longos segundos até aceitá-la, um peso sumindo dos ombros quando identifiquei Scott.
Olhando ao redor, ninguém ousava fazer qualquer comentário. Havia mais mortos do que antes era perceptível, incluindo Cristopher, Alexander e seu lacaio ao meu redor.
Observei as poças de sangue se formando e recuei alguns passos.
Era isso. Finalmente havia acabado. Eu encontrara Cristopher, descobrira a traição do delegado, iniciara e terminara uma guerra contra a polícia. E estava viva.
Os sussurros começaram e logo a rua estava barulhenta, alguns chorando de alívio enquanto outros comemoravam. Vi Ashley abraçando Todd, que inicialmente ficara surpreso, mas logo retribuiu o gesto. Santiago observava de braços cruzados no telhado do prédio, seus homens se cumprimentando.
Me virei imediatamente ao sentir um toque no meu ombro, ainda alerta.
Scott: Você está bem?
Observando com mais atenção, Scott estava pior do que quando havíamos nos encontrado no subterrâneo, com cortes abertos ainda sangrando e hematomas enormes e horríveis.
Encarei os corpos ao nosso redor.
Charlotte: Acho que sim.
Não falamos mais nada depois disso. Ashley e Todd se aproximaram enquanto o resto ainda comemorava. Enquanto cumprimentavam Scott, vi uma pequena caixa preta caída onde o sangue ainda não havia atingido. Me aproximei e a peguei, abrindo imediatamente. Não tive como ocultar a surpresa ao ver um anel de noivado dourado, coberto de pequenos diamantes. Fechei assim que assimilei o objeto e procurei um bolso sem furos para guardar, e então me aproximei da roda que se formara.
Precisei de esforço para manter o equilíbrio quando Ashley se jogou em cima de mim, me abraçando apertado e sorrindo. Esperando que a mesma se afastasse, Todd também me abraçou, como se relaxando depois de um longo tempo. Santiago interrompeu os cumprimentos quando se aproximou com seus homens, reunindo todos para o centro e formando um círculo ao redor de nós. Senti o braço de Scott lentamente envolver minha cintura enquanto esperávamos todos se aproximarem. Dessa vez, não me afastei.
Um silêncio cheio de expectativa dominou a roda enquanto o informante parecia analisar um por um. Ele suspirou antes de finalmente dizer algo.
Santiago: Isso foi bom.
Todd: Cara, diga logo que está orgulhoso.
O latino deu um meio sorriso, mas não respondeu o comentário, o que causou risos de felicidade no grupo. Mas não durou muito.
Santiago: Nosso trabalho ainda não acabou. Quantos da minha equipe final estão aqui?
Aproximadamente dez braços se levantaram. Ele pareceu um tanto decepcionado por alguns segundos, mas logo voltou a expressão neutra.
Santiago: Vocês ficam. O resto pode sumir.
Alguns minutos se passaram até a roda aos poucos se dissipar. Ashley fora em direção as suas garotas e pareciam organizar algo. Santiago fora rodeado pela equipe que havia montado e Todd começara a chamar seus aprendizes restantes. Pequenos grupos começaram a se formar conforme as amizades e profissões, de forma que Scott e eu fomos os únicos que permaneceram no lugar.
Scott: Então, jantar?
Charlotte: Sério mesmo?
Me desvencilhando de seu braço, comecei a andar já com um destino em mente.
Scott: Ei, aonde você vai?
Parei, me virando apenas para encará-lo por um momento.
Charlotte: Tem uma última coisa que eu preciso fazer.
Scott permaneceu imóvel, as feições sendo um misto de cansaço e algo que ainda não conseguia identificar.
Mesmo cansada, lhe dei um pequeno e sincero sorriso.
Charlotte: Tem uma última coisa que eu preciso fazer. Mas não vou sumir, se isso o alivia. Pelo menos não ainda.