segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Skylar - Dois


O pássaro chiou baixinho quando Skylar gentilmente acariciou seu pescoço. As garras afiadas seguravam em seu braço, mas sem força para machucá-la. Ela apoiou a cabeça no espaço entre o pescoço da Phoenia, que se esforçou para não rir com as cócegas causadas pelas penas.
— Já disseram como está linda hoje? — Skylar perguntou, observando e rindo quando as bochechas da fênix levemente pegaram fogo. — Desde quando você fica tímida?
O pássaro pareceu murmurar algo incompreensível.
— Seria alguma paixão? — provocou — É aquele gavião da gaiola dois?
Dessa vez a fênix ergueu a cabeça, abrindo o bico apenas o suficiente para uma tênue chama em reprovação. Skylar sorriu.
— Essa é minha garota.
A fênix abriu novamente o bico, mas o fechou rapidamente, curvando a cabeça em sua magnífica reverência. Skylar observou Aron caminhar até ela por um momento e então repetiu o gesto, assim como os outros que estavam no aviário. O líder aguardou alguns instantes antes de dispensar os cumprimentos.
— Skylar. Naasa.
O pássaro inclinou a cabeça em direção a Aron, quase num flerte. Além de Skylar, o líder era o único a quem a fênix respeitava. Ele sorriu e acariciou brevemente a cabeça da mesma, que voou logo em seguida para sua gaiola enquanto formava arcos flamejantes no ar numa demonstração única de felicidade.
Fora preciso apenas um olhar para Skylar saber que deveria seguir o líder. Ele se virou, a postura naturalmente imponente a qual seduzia e ao mesmo tempo invejava a maioria das pessoas, e seguiu para fora do aviário, sem esperar pela garota. Ela o alcançou quando chegaram ao jardim nos fundos da residência dos Phoenia. Havia alguns membros trabalhando ali como punição, enquanto outros auxiliavam simplesmente por gostarem de botânica.
— Maxxwel falou comigo. — Aron disse, mantendo a expressão neutra enquanto avaliava de longe o trabalho de um grupo de garotos. — Há algo que queira me dizer?
Skylar precisou pensar rápido. Poderia contar os mesmos detalhes que dissera a Max, mas acreditava que o coordenador já havia feito isso. No entanto, conhecia o líder o suficiente para saber que qualquer pergunta ou gesto poderia ser um teste.
— Depende do que o coordenador lhe disse.
Aron permaneceu em silêncio por alguns segundos. Skylar tentava controlar a ansiedade e manter o respeito pelo qual a situação exigia, esforçando-se para manter a visão direcionada ao grupo que trabalhava.
— Eu sabia sobre o garoto. Wanner Hopan, o mais novo entre três irmãos guerreiros. Entrou para guarda pela pressão do pai e dos irmãos, mas queria trabalhar no mercado de frutas com a mãe. — Ele fez uma pausa, o leve esboço de um sorriso que sumiu logo em seguida. — Eu o conheci quando era mais jovem, quinze, talvez. Era clara a satisfação em atender os clientes e aconselhá-los sobre os melhores usos das mercadorias. Ele não me reconheceu na época, mas sua mãe sim.
O silêncio voltou a dominar a conversa, dessa vez sem previsão de término. Skylar assimilava as informações com cuidado, tentando entender porque as mesmas lhe foram dadas tão facilmente, sem pedidos.
— Você fez o certo, Skylar.
Ele a encarou pela primeira vez desde o aviário, os olhos verdes parecendo penetrar sua alma e a desconcertando por um momento.
— Eu... Sem punição, então? — Ela tentou não deixar a expectativa muito evidente. No entanto, a retomada da postura usual do líder foi o suficiente para obter a resposta.
— Outros cinco ficaram inconscientes.
— Fazia parte do plano! Nenhum deles teve alguma sequela. Foi apenas um feitiço do sono leve.
— Ficará de fora das missões no próximo mês, exceto em algum caso extremamente severo, o qual eu ou Maxxwel a convocaremos pessoalmente, se necessário. Deverá auxiliar mestre Haymon na cozinha durante esse tempo.
— Isso não é justo. — Skylar não pôde evitar reclamar.
— Sua “boa ação” não ficará exposta num mural, Skylar. Para todos os outros, você apenas fez o de sempre: exagerar por causa de alguma tarefa que considera tediosa. Além disso, talvez tenhamos uma nova integrante. Pense que estará sendo um exemplo para ela quanto as consequências de cometer um erro.
— Ainda assim, todas as missões?
O olhar do líder agora era de advertência. Mesmo dando liberdade para o diálogo informal com seus liderados, não significava que os mesmos poderiam desrespeitar suas ordens. Aron fazia questão de deixar clara a diferença entre a amizade e o trabalho.
— Sua audição está danificada ou devo presumir que está desenvolvendo alguma demência?
Skylar se encolheu e evitou encará-lo.
— Não, senhor. Eu entendi bem.
— Ótimo. Inicie a contagem dos trinta dias a partir de hoje e volte a me ver no final para discutirmos sua situação.
A garota assentiu relutante, e começou a se afastar quando o líder chamou uma última vez.
— Não esqueça — disse, sem se dar ao trabalho de se virar —, mestre Haymon me dará um relatório completo do seu desempenho, e ele não poupa detalhes. Espero não precisar lhe dar sessenta dias limpando as gaiolas ou estábulos por transformar uma colher de pau em alguma arma. Ou pior.
Skylar não sabia se deveria sorrir pelo reconhecimento do seu potencial ou xingar por ser obrigada a passar trinta dias com o chefe de cozinha mais rabugento do reino que, não era nenhuma surpresa, reservava parte da sua raiva pelos jovens apenas para ela. No entanto, apenas assentiu e, com uma última reverencia breve, se retirou em direção a coordenação para pegar o formulário que permitiria sua entrada na cozinha e, consequentemente, a colocaria a cargo do mestre pelo próximo mês.

*** 

Kyron terminava de limpar o punhal quando recebera um bilhete convocando-o à Grande Sala. Ergueu as sobrancelhas e guardou o papel no bolso, esfregando a lâmina sem pressa alguma para remover as últimas manchas. Não estava de bom humor.
Compreendia que, como um dos membros ativos com mais anos de trabalho, deveria servir de instrutor para os novatos, mas tudo aquilo estava se tornando uma grande piada. Sabia que, graças as lições de seu pai, podia enxergar coisas que os outros simplesmente deixavam passar: pequenas expressões faciais, falhas sutis em histórias. Apesar de todos os Sycrax passarem pelo mesmo treinamento, alguns tinham mais aptidão para determinadas áreas. Ele, por exemplo, havia herdado o dom da tortura de seu pai. Não era algo do qual realmente se orgulhasse, mas era o que tinha. Os novatos que vinha recebendo, no entanto, mal sabiam que tipo de corte fazer ou onde. Não gostava de coloca-los em problemas — eles já faziam isso sozinhos — mas a situação estava ridícula.
Jogou o pano manchado de sangue na lata destinada aos trapos inúteis e guardou a arma em seu específico lugar na gaveta de vidro. Apoiou as mãos sobre a mesa por um momento, tentando desacelerar a mente. Às vezes se pegava imaginando uma vida diferente, longe dos Sycrax, longe da tortura e de todo o sangue derramado em nome do clã. Não podia negar que sentia prazer em lutar e, desde os doze, talvez treze anos, não sentia mais repulsa com as atrocidades que via ou cometia. Se acostumara aquela vida e nunca tivera tempo para escolher outro caminho. Não conhecera a mãe, de forma que seu pai e os outros Sycrax se tornaram seus guias. Foram os livros, no entanto, que preservaram os restos da sua humanidade. Por eles, descobriu sentimentos como amor e misericórdia, sensibilidade ao próximo. Obviamente, nunca demonstrara seus verdadeiros pensamentos a qualquer outro colega do grupo. Seria o suficiente para uma ordem de assassinato imediato.
Respirou fundo uma última vez antes de iniciar seu caminho para a Grande Sala. Repassou mentalmente as últimas atividades feitas: uma série de exercícios que ocupou quatro horas inteiras da sua manhã, uma refeição com seus colegas da última missão e, pela tarde, quando praticava combate, foi chamado para auxiliar na tortura de um possível informante inimigo em busca de respostas, quando seu mau humor atingiu o ponto máximo.
Provavelmente, a convocação se referia a alguma busca de maior valor ou a promoção de algum membro mais antigo. De qualquer forma, sempre se sentia estranho com o resto do grupo da sua “geração”. Ele era o mais novo, tendo uma diferença de cinco anos entre o segundo mais. Era o único que havia crescido no meio dos Sycrax, enquanto a maioria chegara ali na pré adolescência.
— Kyron! — exclamou Malakye, o líder do bando, quando o mais jovem passou pela porta. Seu tom de voz irônico fez com que os outros presentes ficassem tensos. —Ficamos felizes por ter decidido se juntar a nós. Isso levou apenas... quinze minutos desde a convocação? Devo então me sentir privilegiado com a sua presença?
— Não, milorde — a voz tão fria quanto o olhar —, creio que jamais deveria haver um pensamento tão grandioso em relação a mim enquanto temos o senhor para nos comandar.
Os outros Sycrax convocados se entreolharam. Kyron era provavelmente o único membro que se atrevia a desafiar o líder.
Malakye encarou Kyron por um longo momento. Enquanto o soberano vestia um longo casaco preto, as ombreiras douradas se destacando com o cabelo loiro, o mais jovem vestia um conjunto surrado de calças de treinamento e uma blusa rasgada, recentemente tingida de sangue. Era o único sem um traje formal na sala.
— Vamos começar, então. — O líder se levantou na ponta da mesa retangular, encarando os outros doze subordinados que convocara. Ali estavam os melhores dos melhores. Tinha plena consciência de que não seria o suficiente para a missão que muito em breve chegaria, mas era esse o motivo pelo qual os solicitara. Obviamente, não contaria toda a informação ainda. A última coisa de que precisava era gerar um caos precipitado.
— Nos últimos anos, vocês sobreviveram as piores das situações. Treinaram arduamente e sofreram fora e dentro de seu próprio lar. — Fez uma pausa, observando os olhares que o seguiam e como o sentido de “lar” os afetava. Além de Kyron, que permanecia frio, os outros acompanhavam cada palavra atentamente, como se fosse um deus. Sentiu-se satisfeito e prosseguiu — Hoje daremos início a um novo processo dentro do nosso amado clã. Vocês, experientes Sycrax, serão testados com uma nova responsabilidade: treinar seu próprio grupo.
Murmúrios surgiram e desapareceram tão rápido quanto. A ansiedade do grupo ficara clara, nem todos positivamente. Kyron, no entanto, permanecia imóvel e em silêncio, encarando seu líder diretamente quase sem piscar.
— Selecionei pessoalmente 72 dos nossos membros mais dedicados, dos quais cada um de vocês haverá de escolher seis para formar sua equipe. Deverão treiná-los tão arduamente quanto qualquer teste pelo qual já passaram. Estes jovens deverão se tornar as novas relíquias do bando, os melhores, os exemplares, os...
— Apenas diga logo que os novatos são capazes de morrer embainhando uma espada e nos dê as fichas. Vamos acabar logo com isso. — Kyron disse. Malakye teve dificuldades para controlar a fúria que crescia em sua garganta, optando por não responder a interrupção.
— Vocês terão duas semanas para criar seus campeões. Não haverá interferência alguma da minha parte quanto aos métodos que escolherão, mas sejam cautelosos com suas escolhas. Nenhum membro da equipe poderá ser substituído, seja por incompetência ou morte.
O silêncio durou aproximadamente três segundos até a sala começar a se agitar.
— O que vamos ganhar com isso? — A pergunta veio de Tarcor, uma máquina de matar em forma humana. Sua pele era quase que completamente coberta de cicatrizes e, apesar da falta de sutileza durante os combates, sua agressividade compensava em dobro. Era um lutador com o título invicto até então.
— Vamos deixar o melhor para o final. — Respondeu o líder numa paciência contida.
— Então quer que façamos todo esse esforço sem um objetivo? — Kyron acompanhava em silêncio o início de uma pequena rebelião. Não identificou a voz, mas supunha que fosse de um dos que já estavam em pé ao redor da mesa.
— Ah, mas é claro que não. — Malakye respondeu e Kyron fora o único a perceber, pela sútil mudança da entonação na voz, o sermão que se seguiria. — Eu quero que façam esse esforço porque... é uma ordem. Não estou negociando. Agora vocês se levantarão e irão para a área de combate, onde os escolhidos estarão a espera para a formação da equipe. Farão isso sozinhos ou precisam de um incentivo maior para iniciarem?
O som de cadeiras se arrastando e sussurros, alguns xingando e outros pedindo desculpas, ecoou pela sala. Kyron esperou até que todos saíssem para finalmente se manifestar.
— Eu ia procura-lo quando recebi a convocação. Parece que milorde fora mais rápido, não é mesmo? — Não se deu ao trabalho de ocultar a aspereza na voz, mesmo sabendo das possíveis consequências em lidar erroneamente com Malakye.
— Qual o problema, Kyron? Alguma frustração sexual recente? Me poupe desses detalhes, terá seis jovens onde descontar sua raiva.
Kyron engoliu em seco, se perguntando se a menção fora apenas um comentário dispensável ou realmente com fundamento. Já havia se passado alguns dias, mas ainda pensava na Phoenia. Sua repulsa pelos Sycrax era clara, mas tinha completa certeza de que havia algo...
— O problema é justamente esse. Onde tem arrumado esses garotos, Malakye? Eles não parecem ter a mínima noção da proporção de tudo isso.
— E é exatamente por isso que você os treinará. Ensine-os.
Malakye agora saía da sala, ignorando o mais novo que o seguia de perto.
— O que está escondendo de nós? — Kyron perguntou. — Os outros podem não perceber, mas você sabe que eu não sou como eles. Eu vejo seus segredos, Malakye, e eles parecem infinitos.
O líder se virou bruscamente, impaciente e furioso.
— Sua audácia será o motivo da sua morte, garoto.
Agora ambos se encaravam, Malakye com sua postura soberana que, para todos era o suficiente para um pedido de desculpas por qualquer palavra dita de maneira errada. Kyron, por outro lado, não se importava. Encarava o líder diretamente, ciente do perigo, porém sem medo de enfrenta-lo.
— Você pode ter herdado as habilidades do seu pai, Kyron, e ele pode tê-lo ensinado para ser tão bom quanto o mesmo foi. Não duvido nem um pouco de suas capacidades, mas, para sua própria segurança, espero que tenha em mente que nunca será ele. Falta algo em você e, apesar de ser um dos nossos melhores, apesar de eu ter um mínimo apreço por você... Não sei qual o seu problema e não tenho como auxilia-lo nessa busca.
Kyron não estava chocado pelas palavras duras que recebera, mas as menções ao pai sempre o atordoavam profundamente, e Malakye sabia disso.
— Na dúvida — completou o líder, já iniciando a dispensa do assunto —, você sempre pode buscar conforto no clã. É para isso que adicionamos algumas mulheres, não é mesmo? — Ele sorriu, malicioso e sujo, e então se afastou.
Primeiro, Kyron queria chorar, mas então se lembrou que seu pai desaprovaria grosseiramente essa reação. Respirou fundo até ter certeza de que não quebraria nada no caminho.
Quando chegou a área de combate, o lugar estava quase vazio. Apenas mais um dos selecionados para liderar as equipes parecia entrevistar rapidamente os restantes. Kyron não estava com paciência o suficiente para isso.
— Vocês seis — ainda na porta, apontou para o grupo mais afastado da entrevista. Oito cabeças se viraram, mas duas voltaram rapidamente a olhar para a frente. — Já foram escolhidos?
A resposta foi uma negação insegura com a cabeça.
— Ótimo. Começaremos em meia hora. Me encontrem no refeitório e levem suas fichas.
Saiu antes que pudessem responder. Não conseguia imaginar o motivo de tudo aquilo, mas mesmo com a má sensação borbulhando em seus pensamentos, sua única opção era seguir em frente.
Os trinta minutos foram exatamente o necessário para lavar-se, trocar as vestes e se dirigir para o refeitório, que ficaria vazio pelas próximas duas horas. Seus escolhidos já o aguardavam, mas não os parabenizou pela pontualidade. Os observou enquanto não percebiam a sua presença: um garoto pálido e esguio, os cabelos curtos e profundamente pretos, que parecia agitado caminhando ao redor da mesa a qual o grupo escolhera para se reunir. Uma garota com os cabelos de um loiro tão claro que quase se tornavam brancos, usava o que parecia ser mais uma peça de lingerie preta que mal segurava os grandes seios, estava sentada sobre a mesa, as pernas cruzadas e os braços servindo de apoio enquanto encarava fixamente o teto. Outra garota, essa mais baixa e com o corpo mais robusto, estava encostada na mesa observando o garoto que caminhava. Kyron imediatamente ficou curioso sobre como ela havia entrado para o clã, já que não parecia seguir o padrão necessário para uma mulher ser aceita. Dois outros garotos conversam seriamente, eram altos e se destacavam pelos músculos. O último estava na ponta mais afastada da mesa com um olhar sombrio e uma postura elegante, quase lembrando aos nobres que já havia conhecido.
Kyron concluiu que seu grupo era uma grande variação dos estereótipos do clã. De certa forma, dava para perceber porque estavam como os últimos a serem escolhidos. Talvez, pensou, aquilo fosse uma boa coisa. Não se importava com a falsa competição de Malakye, de forma que poderia dar um verdadeiro treino para os jovens ali presentes.
— Muito bem — disse, decepcionado por vários minutos terem se passado e ninguém ter notado sua presença. Deveriam ser mais atentos. —, se não seguirem exatamente o que eu disser, provavelmente acabarão matando uns aos outros ou a si mesmos.
Ninguém ousou reagir.
— A partir de hoje vocês deverão usar apenas roupas de treinamento. Passarão metade do dia treinando combate corporal, perderão uma refeição e desenvolverão seus sentidos. Todos os dias lhes darei um horário diferente, então não tentem se acostumar a uma rotina.
— Com toda a sua licença — o tom arrogante veio do garoto afastado —, mas não acha que isso é apenas uma grande loucura? Quer dizer, nós não vamos ganhar nada mesmo. Temos uma puta, uma lésbica, dois canhões e um garotinho assustado. Por que não apenas fingir que estamos participando desse jogo ridículo e seguir com os nossos dias?
Enquanto o garoto falava, percebeu que além dos jovens aos quais se referiu como “canhões”, os outros tentavam inutilmente não se mostrar afetados pela descrição. Kyron deu um passo na direção dele, mil ideias de tortura vindo a sua mente para corrigir a estupidez.
— Qual o seu nome? — Kyron perguntou, recebendo a ficha em resposta. Ele a pegou e a rasgou sem olhar. — Eu pedi seu nome, não sua ficha.
O garoto o fuzilou com o olhar. Os outros ficaram tensos.
— Dheron. Terceiro filho da família Thardaen.
Enquanto o ego de Dheron crescia pelos olhares lançados após revelar seu título, Kyron apenas observou de braços cruzados. Ele não era um nobre, mas era de uma família extremamente rica do reino, e parecia ter muito orgulho do fato.
— Então, com toda a sua inteligência que certamente fora providenciada pela sua família ao longo dos anos, diga-me: nas classificações que fez quanto ao grupo, você seria a “puta” ou o “garotinho assustado”?
Dheron deu um passo a frente, as mãos nos bolsos enquanto o rosto esquentava. O resto do grupo observava tão atentamente quanto a um espetáculo teatral.
— Quem você pensa que é para falar com alguém do meu nível dessa maneira?
— Criança, se quer mesmo ser um Sycrax, precisará mais que algumas palavras arrogantes para sobreviver. Acima de tudo, esquecer quem foi no passado, pois a única coisa que importa é quem se tornará aqui e agora. E, pelas próximas duas semanas, tenho tanto poder quanto Malakye sobre vocês seis. Não tente jogar o meu jogo sem estar preparado, porque morrerá na primeira rodada.
Foram logos minutos apenas com trocas de olhares, alguns assustados, outros irritados. Kyron não se importou com nenhuma das reações e, ao invés disso, resolveu dar início imediato ao treinamento:
— Afastem as mesas. Vamos ver do que vocês são capazes, afinal.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Skylar - Um

— Ela está nervosa.
— E você não ficou?
As garotas iniciaram uma discussão enquanto esperavam os resultados de seus testes de agilidade. Observavam enquanto a novata aguardava ser chamada pelo líder no corredor do mezanino, os cabelos platinados mudando constantemente de cor enquanto reagia até mesmo ao zumbido de uma mosca. Skylar não se deu ao trabalho de entrar no assunto, assim como ninguém a convidou. Todas sabiam da sua persistência para se tornar uma dos Phoenia.
Os Phoenia eram um dos grupos mais falados do reino, quase uma gangue, composta apenas pelos melhores dos melhores. Ninguém se atrevia a procurá-los, assim como ninguém recusava o convite quando contatado.
Ao contrário dos grupos menores, não eram ladrões ou traficantes. Seu objetivo era outro: proteger o reino da maneira que o rei não podia. Afinal, havia regras as quais nem mesmo a maior figura de poder poderia quebrar, mesmo que para proteger seu povo. Sempre haveria um julgamento do qual poderia surgir o verdadeiro caos. Assim, os Phoenia eram o que a população local chamava de “justiceiros”, apesar de os mesmos preferirem o termo “não-tão-burocráticos”. Era esse um dos motivos que fizera Skylar, desde nova, admirá-los.
Não eram tão incomuns solicitações para entrar no grupo. Muitos lutadores e outras figuras de fama momentânea acabavam por buscá-los, ou melhor, em busca do título, mas Skylar tinha apenas dezoito anos quando conseguira uma audiência com Aron, o líder dos Phoenia. Ela não era popular, sequer possuía alguma habilidade notável, o que levou os veteranos que acompanhavam a reunião gargalhar ao ouvir o pedido da garota. Seu líder, no entanto, fora o único a levá-la a sério. Ele jamais se esquecera da garota que, anos antes, perseguira seus membros na tentativa de chamar a atenção. Era jovem e imatura demais para enfrentar a realidade que cairia sobre seus ombros, de forma que a única coisa a qual recebera fora um aviso nada sutil para parar. Ela o fez, mas nunca deixou de treinar. Mesmo com a desaprovação da mãe, se mostrou verdadeiramente forte ao ir diretamente até o líder. Seu desempenho nas provações fora motivo de repreensão para alguns dos integrantes mais avançados que, apesar da maior agilidade por conta dos anos de treinamento, não chegavam aos pés da eficiência da novata.
— Quem é ela, afinal? — Annelysé se juntara as garotas na espera. Apesar do suor escorrendo pelo pescoço, os cabelos loiros estavam perfeitamente em ordem.
— Ouvi dizer que ela estudava naquele internato dos ricos. Parece que a magia se descontrolou ou algo assim. Se Aron não a tivesse convocado, provavelmente teria sido expulsa. — Franka parecia ter a informação em detalhes. Até mesmo Skylar teve dificuldades em manter sua expressão neutra. Descontroles na magia eram acidentes comuns, mas para resultar em expulsão deveria ser necessário algo quase tão grave quanto a morte.
A porta da sala de Aron se abriu e dois garotos saíram, as cabeças baixas sendo um sinal de que haviam sido repreendidos. Os cabelos da garota mudaram para um tom escuro de verde antes de serem possuídos pelo forte vermelho. A cor parecia pulsar conforme ela tentava manter a calma.
Um amontoado de envelopes fora jogado na mesa de reunião em que as garotas se agrupavam, tirando o foco da novata. Todas avançaram ao mesmo tempo, cada uma procurando pelo seu nome. Skylar esperara até que sobrasse apenas o seu.
Franka fora a primeira a xingar, enquanto Anne se mostrou apenas satisfeita. A maioria havia alcançado a média, enquanto Skylar alcançara quase todos os limites da nota. Mais leves que o ar, mais mortais que o diabo, era o lema. Ela sorriu com as observações dos avaliadores.
Não demorou muito para que uma começasse a roubar os papéis da outra, todas tentando descobrir as observações que cada colega recebera, comentando sobre a aspereza e insensibilidade dos críticos. Skylar tentou evitar a socialização e se manteve neutra até ter sua avaliação arrancada das próprias mãos. As gargalhadas sumiram durante a leitura e ela apenas aguardou de braços cruzados.
— Pelos deuses, Skylar. Eles te elogiaram!
— Sua nota mais baixa foi 95. — Anne comentou, impressionada, mas não tanto. Costumavam serem parceiras nas missões e eram boas amigas, de forma que já havia se acostumado com a capacidade de Skylar.
— Poderia ter sido 100, mas discuti com aquela vaca. — revelou.
— Como você conseguiu passar pela altura? — Franka encarou Skylar, implorando por algum conselho, e então seus olhos foram diretamente para os calçados da colega. — Você fez a missão de SALTO?
Todos os olhos se direcionaram para os pés garota, que calçavam uma bota de couro preto, o cano curto e um salto de pelo menos dez centímetros. Skylar deu de ombros.
— Você só precisa saber onde pisar. É como andar normal, só que num lugar mais alto e mais estreito.
COMO VOCÊ ANDA NORMAL EM UM CENTÍMETRO DE CONCRETO? — Franka agora gritava. Suas notas sempre eram as mais baixas naquela parte do teste.
O teste de altura era dividido em diversas etapas, sendo a última semelhante a andar sobre o parapeito de um prédio de seis andares, porém com mais empecilhos, como estruturas falsas e ataques aleatórios. Skylar tinha plena consciência de que sua nota cairia ao pedir, não muito gentilmente, para que a instrutora fosse prestar serviços sexuais em um lugar não muito amigável quando a mesma tentara acertá-la com uma esfera de fogo.
As garotas começaram a trocar conselhos para determinadas partes do teste, comparando seus desempenhos. Skylar contribuíra com algumas ideias e se oferecera para ajudar três delas, incluindo Franka, que pareciam piorar a cada avaliação, quando uma voz masculina interrompeu o falatório.
— Skylar. — O tom cansado do coordenador fez a tensão surgir nos ombros da garota. Ela se virou para encará-lo e ele fez um gesto para que o seguisse. Anne sussurrou um “boa sorte” enquanto a amiga o acompanhava.
A sala de Maxxwel era no segundo andar, uma mesa com três cadeiras em meio a grandes quantidades de estantes, todas completas com pastas de relatórios. Ele se sentou na grande cadeira que representava sua posição, não precisando pedir para que ela também o fizesse. Esfregou o rosto com as mãos e suspirou uma vez antes de começar. Tinha apenas trinta anos, mas a quantidade de trabalho parecia cansá-lo o suficiente para deixá-lo com a disposição de alguém com sessenta, principalmente quando se tratava de Skylar.
— Skylar. — Ele disse, sem emoção. Maxx encarava os papéis em sua mesa como se tentasse resolver uma equação. — Você só precisava pegar um livro.
— E eu peguei. Está com Aron agora mesmo. — A tranquilidade em sua voz parecia apenas cansá-lo mais, o que por um momento a fez se sentir culpada.
— Seis guardas inconscientes.
— Não deveria ter tantos numa sala como aquela. — murmurou. — E foi apenas um sonífero.
— Um deles não resistiu. Seu corpo não estava devidamente adaptado para receber um encanto como esse.
— O mau treinamento da segurança de um rico não é culpa minha.
— Não piore as coisas, Sky.
— Por que não me diz logo a punição e acabamos com isso?
— Sky... — Ele fechou os olhos por um momento, escolhendo as palavras com cuidado. — As punições existem para chamar a atenção. É para perceber o erro e não repeti-los, mas você parece não se importar em precisar cumpri-las.
Ela revirou os olhos.
— O que você quer que eu faça? Adestre outra fênix? Ou polir as lâminas do arsenal?
— Que inferno, Skylar. — Maxxwel se levantou, soqueando a mesa e derrubando alguns dos objetos por ali. — Você não enxerga os seus erros? Não entende que não pode fazer o que bem entender só para diversão própria?
— Eles só estão dormindo, — rebateu — você sabe tão bem quanto eu que acordarão amanhã ou depois.
— A questão não é essa! Você está colocando em risco tudo...
— Tudo o quê? — Skylar interrompeu. — Nós vivemos em risco. É isso que fazemos. Todos os dias saímos para missões tão perigosas que a guarda real não teve a capacidade de se envolver. Todos os dias perdemos alguém. Me diga, Maxx, que outro risco pode existir além da nossa própria vida?
Ele respirou fundo, encarando Skylar em silêncio enquanto tentava manter a calma. Ela tinha plena certeza de que o coordenador estava queimando-a viva mentalmente quando retomou a fala, dessa vez pacificamente.
— Aron cuidará de sua punição. Não há mais nada que eu possa fazer para salvá-la de seus próprios descuidos.
A boca da guerreira se abriu, mas nenhum som saiu. Ser enviada para o líder era um caso sério. Ninguém sabia o que poderia acontecer a partir dali.
— Pode se retirar agora.
Retomando os sentidos, Skylar o fuzilou com o olhar antes de se levantar e caminhar até a porta, parando por um momento ao tocar a maçaneta.
— O guarda pediu para morrer.
— Skylar, estou pedindo com todo o respeito possível...
— Ele se chamava Wanner, e tinha apenas dezenove anos. Passou três anos em treinamento antes de ser recrutado. Ele foi estuprado pelos companheiros durante todo esse tempo. Fez uma denúncia no primeiro ano, mas pediu o cancelamento por medo. Por isso a história não ficou conhecida.
— E como você soube disso?
— Eu li a denúncia nos arquivos antigos da biblioteca, quando você me mandou organizar meses atrás. Ele era o único na sala quando entrei. Cometi um erro e fui vista. Quando me reconheceu como uma Phoenia, ele implorou. Queria uma morte digna. Por isso atraiu os outros guardas para a sala.
— Você o ajudou num suicídio. Isso não é digno.
— Não. Mas para a família ele morreu exercendo seu dever.
O silêncio que se seguiu deixou o ar pesado. Skylar começava a se arrepender da revelação quando finalmente obteve uma reação do coordenador.
— Vou tentar conversar com Aron. — disse entre suspiros. Skylar deu um meio sorriso, grata, mas sem perder o reconhecido perigo no olhar.

— Vou procurar uma fênix. — E então saiu.

Skylar - Prólogo

Ela o empurrou para dentro do quarto, as mãos passeando por todo o seu corpo enquanto o beijava. A porta bateu fortemente ao se fechar, mas nenhum dos dois pareceu se importar.
Por um momento ficaram ali, provocando um ao outro com carícias selvagens. Não demorou muito para a jaqueta de couro de Skylar pousar em algum ponto aleatório do quarto, enquanto o homem — pelos deuses, ela sequer perguntara o seu nome — se livrava do moletom. A visão a agradara.
Poucos minutos atrás, conversavam no bar no andar inferior. Skylar e sua parceira, Annie, resolveram tirar algumas horas de folga após o sucesso na conclusão da última missão. Aguardavam suas bebidas no balcão quando um rapaz loiro e bem vestido se aproximou com seu amigo, os cabelos castanhos curtos e o moletom o transformando no completo oposto do primeiro.
— Então, — o loiro apoiou parte do corpo no balcão ao lado da dupla, enquanto o amigo aguardava silenciosamente com as mãos no bolso, obviamente querendo estar em qualquer outro lugar que não ali. — o que as garotas estão procurando essa noite?
Annie e Skylar trocaram um breve olhar. Mesmo com uma boa aparência, ele teria que fazer melhor se quisesse algo.
— Ah, vocês são do tipo difícil. Por mim tudo bem, eu e meu amigo ali — ele apontou o moreno com o queixo — também estamos com tempo. Vimos vocês chegarem.
— Roy, — o amigo se manifestou pela primeira vez — deixe as damas em paz, vamos voltar logo.
Roy fuzilou o amigo com o olhar.
— As damas? — Skylar comentou imediatamente, ignorando o loiro propositalmente.
— Que linguajar refinado! — Annie a acompanhou sem pensar duas vezes. — Seria o cavalheiro um poeta?
— Talvez um nobre. Consegue perceber, minha querida amiga, como o senhor nos observa?
— Ah, deuses! Você está certa. Sinto-me enrubescer.
As duas brindaram pela atuação zombeteira quando as bebidas chegaram, mas, enquanto o moreno havia sido apenas irritado, o loiro permanecia motivado.
— Peço desculpas pelo meu amigo. É por isso que não o deixamos sair muito, ele não sabe socializar.
— Você também não é muito bom nisso. — Skylar comentou, as palavras envenenadas cobertas por uma camada de falsa inocência enquanto tomava mais um gole da bebida. Roy tentava ocultar sua impaciência quando a garota notou o sorriso do amigo. A expressão neutra voltou no momento em que percebeu que estava sendo observado.
— Vamos embora. — O loiro chamou o amigo. — Elas não estão de bom humor.
— Você acha que as pessoas não gostam de você porque estão de mau humor? É uma boa maneira de manter a autoestima. — A fala veio de Annie.
Roy abriu a boca por um momento, mas nenhum som saiu. Pela primeira vez parecia não ter uma resposta. Apenas se virou, tentando manter o resto de sua dignidade quando disse:
—Vamos.
— Na verdade, — a postura do amigo pareceu mudar de tímido para confiante em segundos. Ele começou a caminhar em direção as garotas. — acho que quero ficar por aqui. Se as damas não se importarem, é claro.
Skylar olhou para o loiro uma vez, que estava visivelmente irritado, e então para Annie, que compartilhava do seu olhar conspiratório.
— Vossa presença seria de muito agrado, senhor. A de seu colega, nem tanto, mas poderemos suportar.
O moreno sorriu e puxou um banco ao lado das garotas. Revirando os olhos, o loiro fez o mesmo e logo os quatro haviam dominado um dos cantos do balcão.
A noite se seguiu com provocações inteligentes, algumas vezes quase se transformando em brigas. Skylar não percebeu quando, mas logo Annie havia caído nos encantos de Roy. Não se preocupara, pois conhecia a parceira o suficiente para não sentir necessidade de interferir em suas decisões.
Em algum momento, quando a conversa em grupo se resumira a observar a interação entre Annie e o loiro, Skylar se levantou. A parceira notou, mas não reagiu. Caminhou até o bar, os saltos pretos ecoando no piso de madeira. Além dos quatro, havia alguns poucos homens bebendo, as roupas amassadas revelando sua patética rotina após o trabalho.
Sentiu quando seu corpo fora momentaneamente envolvido por outro maior que o seu, os braços cobertos pelo moletom apoiados no bar, prendendo-a ali. Ele aproximou seu rosto do dela brevemente antes de se afastar para ficar ao seu lado, a mão propositalmente demorando em sua cintura ao fazê-lo. Skylar o encarou, avaliando por um momento. O garoto retribuiu o olhar, confiante e sutilmente perigoso.
Afastando-se do bar, ela se dirigiu para as escadas aos fundos. Conhecendo o local, sabia que o segundo andar era reservado justamente para tais situações e apenas os clientes mais confiáveis possuíam autorização para usar os quartos, como ela. O garoto a seguiu e, antes de completarem o primeiro lance de escadas, ele a surpreendeu com um beijo provocante, deixando claro que ela não era a única excitada.
Seguiram assim até chegarem a um dos quartos. Skylar já havia percebido que ele era do tipo confiante, o seu favorito, pois ela também era. No geral, a experiência se transformava numa guerra silenciosa para descobrir quem cederia primeiro.
Agora, Skylar observava os músculos antes ocultos pelo moletom. Ele claramente era um atleta. A garota voltou a beijá-lo enquanto tentava remover a regata branca que bloqueava a visão do resto da parte superior do corpo, mas fora impedida quando ele a pegou no colo e a levou para a cama.
Ele a deitou enquanto acariciava as coxas revestidas de couro e a posicionava de forma a sentir seu volume mesmo sob o jeans. Seus lábios agora trabalhavam no pescoço da garota enquanto uma das mãos tentava invadir a pele por baixo da blusa que a mesma usava, mas ela a afastou, se levantando o suficiente para que a tirasse sozinha e dando um breve momento para que apreciasse a visão antes de empurrá-lo para ficar sobre o mesmo.  Sua ação foi recebida com um sorriso de satisfação.
Ela o beijou enquanto as mãos do moreno desenhavam em suas costas, algumas vezes visitando a pele coberta pelo sutiã, mas sem abri-lo.  Pela segunda vez, tentara remover a regata. As mãos passaram por baixo do tecido, o toque lento explorando e decifrando o que encontraria ali enquanto aos poucos erguia a camisa.
Antes que pudesse removê-la por inteira, ele inverteu as posições, não evitando sorrir com a breve expressão de surpresa que a garota fez. Assim como ela, retirou a regata e deixou que a visão fosse apreciada, o que foi feito sem hesitação. Jogando o pedaço de tecido no chão, ele voltou a beijá-la, a ação se tornando cada vez mais selvagem, mais perigosa. Voltou a traçar o caminho do pescoço enquanto as mãos se aproximavam cada vez mais de seu íntimo.
Ela não pôde conter um baixo gemido em certo ponto, o que o satisfez. Enquanto suas mãos se agarravam nos curtos cabelos escuros, Skylar viu o vulto de traços pretos nas costas do garoto, como uma tatuagem.
A tensão a dominou por um curto segundo quando um lampejo de momentos atrás vinha a mente. Ele tinha uma tatuagem, não tinha?
Deuses, ele tinha.
O garoto procurava abrir a calça de couro quando, ainda deitada, ela o empurrou com uma das pernas, fazendo-o cair na cama. Não teria se importado, se não tivesse percebido o olhar mortal que dominara as feições da garota. Mesmo excitando-o, estava óbvio que aquilo não fazia parte da diversão. Ela se levantou mais rápido do que conseguira prever e ele fez o mesmo, ainda não entendendo o que estava acontecendo. Observou-a procurar sua blusa pelo chão do quarto.
— Ei, está tudo bem? — Tentara se aproximar, mas por pouco não fora acertado pelas mãos da garota.
— Não me toque, Sycrax. — A voz de Skylar não continha apenas ódio, mas também repulsa e veneno, como se o nome de seu bando fosse algum tipo de xingamento extremo.
— Ah. — Fora a sua resposta. Se encostou na beira da cama e cruzou os braços, observando-a vestir a blusa. Foi então que percebeu a marca de pássaros na lateral do corpo, o símbolo dos Phoenia. Suspirou, mas ela não ouviu. Ou fingiu não ouvir.
— Não somos todos iguais. — Ele tentou. Realmente, não era completamente igual aos outros do seu grupo. Jamais negaria seu orgulho em ser um Sycrax, mas também não gostava da generalização.
— Claro que não. Vi como seu amigo é diferente dos outros. — Ela se referia a Roy e suas infinitas tentativas de se juntar a dupla de garotas mais cedo.
— Exatamente. Você viu como ele é e como eu sou. Se somos iguais, porque não está com ele desde o começo?
Ela o encarou por um momento, a jaqueta de couro já em suas mãos. Ele não estava errado. Pelo menos naquele curto momento, ele se mostrara diferente do amigo. Um diferente que com certeza a agradara.
Mas não. Ele era um Sycrax e, se fazia parte desse bando, era porque algo o identificava.
Sem dizer qualquer palavra, Skylar saiu do quarto deixando a porta bater. Correu pela escada e quase derrubou outro casal que subia. Quando chegou ao bar, encontrou Annie já no colo de Roy, beijando-o da mesma maneira que ela beijara o moreno segundos atrás. Se aproximou o suficiente para sussurrar no ouvido da parceira:
— Sycrax.
Não fazia diferença se o loiro havia ouvido ou não. Annie abriu os olhos no mesmo momento e encarou Skylar, que viu os olhos azuis mudarem para um mágico tom esmeralda. Antes que o garoto pudesse reagir, Annie já estava ao lado da parceira, recuperando o fôlego e se preparando para qualquer ataque. Assim que percebera, o olhar mortal fora retribuído. Bastava uma respiração errada para que alguém atacasse. No entanto, ninguém o fez.
As duas se viraram para sair do bar e os olhos de Skylar se encontraram com o do garoto de cabelos escuros, que observava a cena na ponta oposta. Desviando o olhar, saíram do local sem olhar para trás.
— Que merda. Ele tinha uma boa pegada. — Annie fora a primeira a se manifestar quando estavam a uma boa distância do bar. Skylar não respondeu.

Skylar

Nota: esse não é o inicio da história, apenas avisos sobre ela e sinopse.

AVISOS:

Skylar NÃO é uma fanfic, e sim uma história original minha.

Os especiais não irão interferir na história normal.




Phoenias e Sycrax são inimigos há tanto quanto o mundo passou a se chamar de mundo. Mesmo quando seus objetivos coincidem, as ideias distintas acabam por se tornar um obstáculo nas relações. Esquerda ou direita, cima ou baixo. Tudo acabará no mesmo lugar, mas quem diabos realmente se importa? Só um realmente está certo. Só um deveria sobreviver.

Quando um pedido vindo pessoalmente do rei os obriga a se tornarem uma única equipe, os guerreiros das baixas ruas de Liria deverão aprender mais do que as artes marciais — o autocontrole para não matar os novos colegas.

Enquanto isso, uma traição surge no reino e recriará o caos o qual há tanto fora controlado pelas gerações anteriores. Os justos de coração são os escolhidos para confronto, mas, no meio de um bando treinado para manipular, como saber em quem confiar?