quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Suspect - Capítulo 11: A teoria que deu certo

11. Não gaste balas a toa.
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A delegacia não era nem um pouco perto do bairro de Santiago.
No meio do caminho, fomos obrigados a esperar um dos sinaleiros voltarem à cor vermelha para os carros, para não sermos atropelados pelos motoristas furiosos com mais um dia de trabalho. 
Scott olhou seu relógio.
Scott: São seis e meia.
Charlotte: E daí?
Scott: Ele já deve estar longe da delegacia.
Suspirei, cansada pela corrida, mas ao mesmo tempo preocupada com as crianças.
O sinal ficou verde para os pedestres.
Scott: O que você quer fazer agora?
Trinta segundos para atravessarmos antes que o sinal de pedestres voltasse ao vermelho.
Scott: Charlotte?
Encarei Scott, determinada.
Charlotte: Vamos até eles.
Sem esperar uma reação, corri o mais rápido que conseguia. Atravessei a rua e corri até o final, cruzando a primeira esquina. Scott tinha dificuldades para me acompanhar, mas eu não podia desacelerar agora. O beco onde havia visto o assassino pela primeira vez estava ali.
Entrei e fui até o final, onde estava a porta.
Scott chegou logo em seguida. Ambos estávamos sem fôlego.
Charlotte: É... Aqui embaixo...
Ele ainda estava se recuperando.
Ficamos em silêncio por provavelmente dois minutos, tentando normalizar nossa respiração.
Ouvimos um grito. Agudo, infantil, e logo soubemos que era delas.
Sem pensar duas vezes, abrimos a porta.
Era uma sala com apenas um dos cantos bem iluminado. Havia sangue seco no chão, cadeiras quebradas, uma maca, e três homens com os olhares focados em nós. Estavam surpresos.
O homem que eu havia levado até a delegacia estava com sua perna enfaixada no local acertado pela faca, sentado de costas para a parede, não muito longe da maca. Wilson, o avô desesperado, estava em pé ao lado do assassino, com as mãos no bolso. O médico, com um bisturi em mãos, olhava para nós e em seguida para o patrão repetidas vezes.
Wilson: Saiam agora e deixamos os dois em paz.
Seu tom de voz era tranquilo, como se já tivesse feito aquilo antes.
Scott: Deixe as garotas em paz e tentamos não matar vocês.
Wilson lançou um olhar para o assassino e este entendeu a ordem. Ele levantou, armado. Não perdeu tempo em atirar. Abaixados, Scott e eu fomos para lados opostos.
Scott sacou sua arma e começou a revidar os tiros. Percebi que havia cometido um erro. Não estava armada, não havia algo que pudesse usar para atacar.
Scott acertou um tiro na perna do assassino, no lugar enfaixado. Ele gemeu e deu mais dois tiros, dos quais um me acertou no braço.
Nem mesmo a adrenalina pôde disfarçar a dor que senti. Por sorte, as balas haviam acabado, dando-me tempo para correr antes que acontecesse mais alguma coisa.
Wilson puxou uma arma e começou uma nova troca de tiros com Scott.
Corri para trás de algumas caixas, sem ser notada pelo velho. Observei que o médico estava abaixado atrás da maca de sua paciente, a qual permanecia em seu estado de sono induzido por anestesias. 
Um grito começou a vir das caixas, um grito que acreditei reconhecer.
O mais rápido que pude, comecei a vasculhar a caixa, procurando uma abertura ou algum tipo de trava para tirar garota de dentro.
Por um momento olhei para Scott, e vi que sua situação não era das melhores. Suas balas haviam acabado, e ele estava dando seu melhor para desviar dos tiros de Wilson. Scott logo iria se cansar, e aparentemente, ainda havia muitas balas para serem gastas por parte do mais velho. Eu precisava ajudar.
Avistei uma segunda caixa ao lado da qual eu tentava abrir. Movimentei-a, tentando descobrir o que havia dentro, e logo soube que era algo pesado, mas não o suficiente para me impedir de levanta-la. Com muito esforço e dor por causa do tiro, ergui a caixa na altura de meus quadris — foi o máximo que consegui  e joguei, tentando acertar o inimigo. Porém, ele viu e logo entendeu meu plano, de forma que, na hora certa, ele se jogou no chão, de modo que o caixote se chocou contra a parede e se quebrou, revelando sacos, agora boa parte furados, de pó branco. Drogas.
No entanto, isso teve um lado bom.
Scott pulara em cima do velho. Falhou em imobiliza-lo, mas conseguiu afastar a arma. Agora eles lutavam corpo a corpo.
Voltei-me para a caixa onde se encontrava a garota e tentei achar qualquer tipo de abertura, mas logo fui chutada no estomago para longe da caixa. A dor do tiro foi substituída temporariamente pela dor do chute. 
Me virei, ainda no chão, para identificar quem praticara tal ato.
Ele sorria vingativamente. Sua perna sangrava por causa do tiro de Scott, mas ele parecia não ligar. Uma faca diferente estava em suas mãos.
Charlotte: Faca nova?
Ele me puxou pelo cabelo, de forma que fui forçada a ficar em pé. Tentei chuta-lo, mas parecia que havia ficado mais atento.
Assassino: Comprei especialmente pra você.
Senti a lamina encostar no meu pescoço. Extremamente afiada.
Scott conquistara a arma de Wilson, que estava com as mãos erguidas em sinal de desistência.
A garota gritava na caixa.
O assassino sussurrava o que faria após me matar. Nojento.
E então um grito de uma segunda criança surpreendeu a todos. A menina acordara.
Menina: Vovô!
Ninguém ousou dizer uma palavra. Wilson se virou para encara-la, ela estava totalmente confusa. Ele encarou Scott, seu olhar de raiva havia mudado para pena e desespero. Estava preocupado com a neta, com o que ela veria.
Scott abaixou a arma e indicou a criança. O homem primeiramente deu alguns passos ainda de frente para Scott, receoso. Quando soube que podia confiar, correu até a garota e a abraçou.
Scott se virou para ver como eu estava lidando com a situação, e arregalou os olhos ao ver o que acontecia.
A faca do assassino permanecia em meu pescoço. Scott apontou a arma para ele.
Assassino: Faça isso e dou um fim nela.
Ele pressionou a faca com mais força. Senti um corte, por ora insignificante, sendo feito.
Scott: Faça isso e dou um fim em você.
Por sorte, Wilson se manifestou. 
Wilson: Largue a faca.
Não sabia se estava preocupado com o provável trauma que a criança sofreria se visse, ou se apenas estava sendo dominado pelo temporário sentimento de compaixão causado pela inocência da menina. Talvez, após o fim de tudo aquilo, ele até entrasse para o Greenpeace.
O assassino permaneceu imóvel e as ordens tiveram que ser repetidas.
Finalmente, fui solta. Ele me empurrou, com raiva, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio e caísse. Aproveitei a oportunidade em que Scott me ajudara a levantar para lhe dizer, num sussurro, sobre a garota na caixa.
Fomos até ela e começamos a procurar um modo de abrir. O assassino estava visivelmente preocupado.
Assassino: Chefe?
Wilson permaneceu em silêncio.
Consegui achar uma trava.
Assassino: Chefe!
Scott me ajudou a levantar a tampa. A garota estava encolhida, chorando. Estava num estado deplorável.
Peguei-a no colo, tentando acalma-la.
Scott: Onde está a outra?
Wilson: Que outra? Só há essa.
Scott: Você a matou?
Wilson: Eu não sei do que você está falando.
Scott atirou, acertando o chão próximo aos pés do velho. Wilson se virou para o assassino. Era difícil dizer quem estava mais preocupado.
Wilson: Mostre a ele.
Assassino: O que?
Wilson: Mostre a ele.
As ordens do velho eram firmes e nervosas. Tinha medo que machucássemos a neta, já que estávamos em vantagem.
O assassino murmurou alguns palavrões e guiou Scott até uma porta no canto da sala.
Ao sair, a expressão facial de Scott dizia tudo. A garota estava morta.
Scott: Aproveitem seus últimos dias de liberdade.
Em seguida, se direcionou a saída, enquanto avisava para deixar o corpo da garota ali.
Eu o segui, ainda com a criança no colo. Ela ainda chorava, e parecia ter mais medo de Scott do que de mim.
Charlotte: O que fazemos agora?
Scott: Temos que entrega-la aos pais.
Notei que Scott estava verdadeiramente cansado.
Scott: A casa de Olivier é na próxima rua. Vou deixa-la lá.
Coloquei a garota no chão.
Charlotte: Eu vou com você. A delegacia é no mesmo caminho.
Ele concordou.
Nos apresentamos para a menina da maneira mais gentil possível. Tentamos dizer coisas felizes como "você logo encontrará seus pais". Em poucos minutos ela parecia ter esquecido tudo e começou a sorrir.
Guiando-a pelas mãos, levamos a garota até seu avô. Nossa caminhada foi silenciosa, cada um com seus pensamentos.
Oliver observava a janela, e quando nos viu, imediatamente saiu da casa e veio até nós. Chorou ao ver a neta. Ele a mandou para dentro da casa, e pelos gritos logo soubemos que os pais estavam lá.
Oliver começou a tirar notas altas do bolso, mas Scott disse que não precisava.
Scott: Eu não matei ninguém. Na verdade...
Ele suspirou.
Scott: Vamos ter que conversar. Não agora. Você tem coisas mais importantes para se ocupar.
Oliver pareceu entender. Abriu um sorriso de alivio e se despediu, voltando para a casa.
O céu estava ficando nublado.
Charlotte: Então é isso.
Scott: Você... Vai voltar para a delegacia?
Charlotte: É, acho que sim.
Pode ter soado rude, mas eu virei às costas e fui embora. Ignorei a quantidade de vezes que meu nome foi chamado. Ignorei a chuva, que mal começara, mas já caia agressivamente. 
Percebi que estava começando a me acostumar com a dor, o que não era bom sinal.
Avistei um pequeno parque. Havia escorregadores e balanços para as crianças.
Subi pela escada até o topo do escorregador, o "castelinho" em que as crianças faziam fila para descer no brinquedo.
Respingos da chuva ainda caiam sobre mim, mas não me importei. Concentrei-me no som da chuva no teto alaranjado do castelo, e procurei descansar.
Eu voltaria para a delegacia, mas naquele momento eu só queria ficar sozinha. Sabia que se voltasse agora, haveria uma pequena chance de encontrar alguém que me faria muitas perguntas, as quais eu não tinha a mínima vontade de responder.
Então, senti algo. Algo quente. Não era o vento, mas sim a respiração de alguém, e logo percebi que estava lentamente ficando mais próximo, abri os olhos.
Vindo dele, já não saberia se devia ficar surpresa.
Se não fosse pelo guarda-chuva preto ao seu lado, e pelo fato de que estava seco, diria que havia acompanhado meu passo tranquilamente.
Scott: Oliver me deu isso com a condição de vir atrás de você... E eu sempre cumpro a minha palavra.
Permaneci em silêncio, encarando-o. Jamais poderia imaginar que alguém viria atrás de mim sem querer me prender, principalmente com o cansaço que podia acreditar que ambos sentíamos. 
Em poucos segundos, seus lábios encontraram os meus.
Foi um beijo calmo, doce. Nesse momento, foi como se todos os problemas tivessem desaparecido. Pela primeira vez em muito tempo, pude me sentir verdadeiramente tranquila.