segunda-feira, 7 de julho de 2014

Suspect - Capítulo 4: Homens...

4. Só use a violência se for extremamente necessário.
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Sai do beco mais ou menos uma hora depois do garoto ir embora. Eu estava andando depressa, determinada a achar o tal. Por algum motivo, me sentia preocupada e nervosa.
Algo nele me chamara atenção, mas eu ainda não sabia exatamente o quê. Quer dizer, ele era atraente, mas isso não fazia diferença. Várias das minhas vítimas do sexo masculino eram extremamente cativantes, mas isso nunca me impediu de matá-los. 
No meio da minha confusão de sentimentos e perguntas que surgiam a cada momento, parei minha caminhada sem destino. Para onde eu estava indo, afinal? Como eu iria começar a busca? Até então, ninguém conhecia o rapaz, ou seja, eu teria que me virar sozinha. Minha determinação começou a se transformar em raiva, até que me lembrei de um detalhe: ele havia me dado algo. Um cartão. 
Ali mesmo, tirei do bolso o que seria minha pista. Observei-o. Era branco. Achei que eu estava olhando o cartão do lado errado, então o virei. O outro lado também era branco. Passei alguns minutos olhando os lados do cartão, e então comecei a rir. Eu estava estressada agora, e minha vontade era de desistir de tudo aquilo. Alguns senhores que estavam nas portas de algumas lojas próximas começaram a me encarar de maneira estranha, mas ignorei. 
O cartão estava em branco. Não havia nada escrito, ou qualquer outro sinal que pudesse me ajudar a encontra-lo.
Andei até uma lata de lixo próxima, e encarei o cartão uma ultima vez. Estava disposta a abrir mão de tudo. Fiquei pensativa por instante.
Eu estava certa de que seguir em frente poderia ser a decisão errada a tomar, mas abandonar tudo também não era a melhor escolha. A diferença entre seguir ou não em frente, era que, a probabilidade de eu consertar meu erro escolhendo a primeira alternativa, era maior.
Coloquei o cartão de volta no bolso, e resolvi voltar para a delegacia. Não queria contar a Alexander sobre o garoto até eu descobrir algo útil.
Andei calmamente para o local, mas meus pensamentos se afastaram quando passei pela porta e vi uma multidão bloqueando um dos corredores. O corredor da sala de Alexander.
Observei de longe, tentando entender o motivo de tudo aquilo. As expressões dos espectadores eram uma mistura de surpresa e pavor, mas isso não fazia com que se afastassem. Foi quando dois policiais conseguiram abrir caminho entre as pessoas que pude ver um pouco do que estava acontecendo. Reconheci Alexander. Ele estava sendo golpeado no queixo por um homem que eu nunca havia visto. Notei que os dois estavam cobertos de sangue. Minha intenção era de assistir a luta, quando vi um dos policiais sendo nocauteado. O outro era um novato, e ao tentar ajudar o delegado, acabou sendo golpeado também. Suspirei.
Empurrando o público para abrir espaço, me meti no meio da briga. O policial novato ajudava o que havia se ferido mais, enquanto Alexander estava contra a parede, tentando se livrar do homem que o agredia. 
Toquei o ombro do agressor, que se virou com a intenção de me bater. Consegui segurar uma de suas mãos por tempo suficiente para Alexander conseguir se libertar. Porém, em vez de ir em direção a sua sala, ele resolveu pular em cima do atacante. Aquela atitude foi estúpida, já que ele não tinha mais forças para se defender, e eu podia cuidar dele sozinha.
O homem voltou sua atenção para o delegado novamente, e agora os dois brigavam no chão. Notei uma mancha de sangue na parede e me perguntei quanto tempo havia que eles estavam brigando. 
Chutei o estomago do agressor. Notei que ele havia perdido a respiração por um momento, já que não estava preparado para algo como aquilo. 
Charlotte: Vá para a sua sala. 
Mancando o mais rápido possível, ele foi. Tive que segurar o riso. Não era sempre que eu tinha a oportunidade de ver esse lado mais fraco de Alexander, o que tornava a cena um tanto cômica, mas trágica. 
Voltei meu foco para o homem agachado no chão. Ele estava recuperando a respiração, então o chutei mais uma vez, e então outra, fazendo com que rolasse até a parede. Peguei-o pela gola da camisa e o coloquei contra a parede. Dei um soco em seu rosto, fazendo com que seu nariz sangrasse mais. Ele estava bem fraco.
Charlotte: Como se sente estando deste lado agora?
Ele não conseguia se quer falar. Sorri, satisfeita.
Apontei para o guarda novato.
Charlotte: Você. Arrume um médico para cuidar desses dois. Rápido.
Ele parecia meio perdido, mas concordou. 
Arrastei o homem para a sala de Alexander, e então fechei a porta. Notei que alguns espelhos estavam quebrados, mas somente os de seu escritório. Aqueles que faziam a parede de meu quarto estavam apenas com algumas manchas de sangue. 
Mandei-o sentar. Alexander estava sentado atrás de sua mesa, limpando o sangue do rosto com as mãos. Eles lançavam olhares ameaçadores um para o outro.
Charlotte: Já mandei chamarem algum médico. Agora, vocês querem me explicar o que está acontecendo aqui?
Eu estava ciente que nenhum dos dois me devia alguma explicação, mas se eu não tivesse interrompido aquela briga, com certeza aquilo teria terminado apenas quando um deles morresse.
Eles permaneceram em silencio.
Charlotte: Alexander.
Ele me encarou. Fiz sinal para me dizer quem era ele.
Alexander: Ele está atrás da filha desaparecida dele. Já faz seis anos desde que ela sumiu. Ele ainda acha que pode encontra-la, mas nós nunca encontramos nada que fosse útil.
Homem: Vocês são incompetentes. Não tem capacidade suficiente para achar uma garotinha.
Alexander: Ela não é mais uma garotinha, e você sabe disso. Ela pode estar morta, e o corpo foi bem escondido. 
Eles começaram a discutir, até que o homem se levantou. Eles iriam recomeçar a luta, até que um médico entrou na sala.
Todos ficaram em silêncio até os curativos serem feitos e ficarmos a sós novamente.
Charlotte: Primeiro, eu quero saber seu nome. Talvez... Eu possa te ajudar.
Homem: E quem diabos é você? 
Charlotte: Meu nome é Charlotte, e, por enquanto, isso é tudo o que você precisa saber.
Ele me lançou um olhar desconfiado.
Homem: Eu me chamo Thomas.
Charlotte: Prazer em conhecê-lo, Thomas. Agora, me conte tudo o que aconteceu, desde o início.
Seus olhos se encheram de lágrimas.
Thomas: Eu fui estúpido. Eu tomei uma decisão errada, e ela foi o preço que eu paguei. Ela tinha apenas dez anos. Tenho medo de pensar o que fizeram com ela...
Charlotte: Espere, quem fez o que? Que decisão foi essa? Comece a história direito.
Sentei na ponta da mesa de Alexander, ficando de frente para Thomas.
Thomas: Nós estávamos passando por dificuldades... Os aluguéis de nossa casa estavam todos atrasados, e se não pagássemos, teríamos que ir embora. Eu mal tinha dinheiro para as refeições... Então fui procurar um segundo emprego. Eu passei dias procurando, e num fim de tarde, resolvi parar num bar para pedir informação. Havia um homem de terno, e ele escutou quando eu disse para o dono que precisava de um emprego. Eu estava saindo, quando ele me chamou para conversar.
Ele fez uma pausa. Seu arrependimento era visível. 
Thomas: Ele disse que eu poderia ganhar dinheiro fácil com ele, mas neguei, dizendo que não trabalharia com drogas. Ele disse que não tinha nada relacionado. Eram serviços simples, eu seria apenas um entregador para suas negociações. A quantia que ele me daria era alta, o suficiente para pagar todas as minhas dívidas. Não vou negar que estava desesperado, mas pensei duas vezes antes de aceitar. Ele disse que naquela mesma noite teria um serviço para mim. Aceitei. Naquela noite, minha filha dormiu na casa de uma colega.
Charlotte: Alguma chance de algum parente da colega de sua filha...
Ele fez um sinal negativo com a cabeça.
Thomas: O serviço foi tranquilo. Ganhei dez mil pratas. Aquilo pagou todos os meus aluguéis. Ele disse que se eu fizesse outros trabalhos, poderia ganhar mais. Na mesma noite, descobri que ele era o chefe de uma gangue. Eu entregava pastas muito bem trancadas, e nunca descobri o que havia nelas. Sabia que em algumas tinha dinheiro, mas nunca soube as quantias. Eu ganhei muito. Ele também sabia sobre a minha filha, e sabia que eu não faria nada que fizesse com que ela perdesse o pai. Não sei como ele sabia, mas todos os serviços que eu fiz para ele, foram em dias que minha filha não estaria em casa. Ela nunca descobriu onde eu estava metido.
Seus olhos se encheram de lágrimas novamente ao falar sobre a filha. Ele ficou um tempo em silêncio.
Thomas: Trabalhei para ele por seis meses, e um dia ele disse que tinha um serviço especial para mim.  O trabalho era arriscado, ele queria que eu fosse atrás de um cara. Ele era um tipo de assassino, profissional. Eu tinha dinheiro para viver bem o resto do ano, então neguei, disse que não faria isso, mas ele disse que eu não tinha com o que me preocupar, que daria tudo certo. Continuei dizendo que não, então ele disse que se eu não o fizesse, não precisaria mais ajuda-lo. Eu disse que não o ajudaria mais, e ele logo disse que eu iria me arrepender. Virei às costas para ele, e fui embora.
Ele novamente fez uma pausa, e então pude ver uma lágrima escorrendo pelo seu rosto, seguidas de várias outras.
Thomas: No outro dia... Quando fui busca-la na escola...
Sua voz estava trêmula.
Thomas: Eu não fazia isso todos os dias, e não havia avisado, por isso encontrei com ela no meio do caminho, mas... Eles foram mais rápidos. Um carro preto parou do lado dela e a pegaram. Eu estava seguindo eles, mas os perdi de vista de repente. Naquela noite, fui até o local onde sabia que ele estaria, mas ele apenas disse "eu avisei". Disse-lhe que devolveria todo o dinheiro que havia ganhado, que faria tudo o que quisesse, mas eu só queria minha pequena de volta. Ele negou, e ainda riu de mim. Me expulsou de seu "escritório", mas no outro dia eu voltei. Só que ele não estava lá. Ninguém de sua gangue estava lá. Fui até o local onde ele queria que eu fizesse o tal serviço, um mercadinho numa rua meio abandonada, mas ele não estava lá também. Desde então, nunca mais o vi.
Charlotte: Mas... E sua mulher? Ela não sabia?
Thomas: Minha mulher morreu no parto.
Definitivamente, a vida daquele homem era um desastre.
Charlotte: Eu preciso de uma foto, um desenho, qualquer coisa para que eu possa identificar sua filha... E este homem.
Ele me olhou, surpreso. Alexander estava com o mesmo olhar.
Logo, ele tirou uma foto de sua filha da carteira. Ela era ruiva, e tinha olhos verdes. Não seria difícil, a menos que ela tivesse pintado o cabelo. Ou morta.
Thomas: Ela se chama Estela. Eu não tenho uma foto dele, mas fizeram um desenho muito bom desse homem na primeira vez que vim aqui.
Alexander logo tirou o desenho da gaveta.
Charlotte: Me dê um mês. Suponho que temos seu telefone.
Encarei Alexander e ele fez um sinal afirmativo com a cabeça.
Charlotte: Ligarei para você com notícias. Agora...
Me levantei.
Charlotte: Fique longe de problemas, e não venha até aqui. Lhe garanto que terá informações sobre ela, mas não posso dizer se ela estará viva...
Isso fez Thomas encher os olhos de lágrimas novamente, mas concordou.
Depois de uma longa despedida, e um pedido de desculpas a Alexander, ele se foi. Fechei a porta.
Charlotte: Chame alguém para limpar esse lugar.
Ele riu.
Alexander: Como pretende achar essa garota? Estamos atrás dela já faz um bom tempo, e não achamos nem um fio de cabelo se quer.
Sorri.
Charlotte: Talvez estejam procurando nos lugares errados.
Ele ficou pensativo, sabia o que eu iria fazer, onde iria buscar as informações necessárias. Mas deixaria aquilo para mais tarde, pois agora haveria de pensar em algo mais importante: o cartão.
Analisei o cartão por horas, até que, ao coloca-lo contra a luz, descobri o que parecia ser um "S". Contornei-o com os dedos, tentando descobrir o que significava. Apaguei as luzes, e acendi uma luminária que eu deixava no meu criado mudo. Percebi que em volta do "S", havia nomes de alguns lugares, e então, no final da lista, havia um "X". No começo, fiquei sem entender, mas então notei que todos os locais mencionados eram próximos um dos outros. Eles eram pontos de referência, e o "X" marcava o lugar. Aquilo era um mapa, mas o que diabos o "S" significava?
Fiquei pensativa. Os nomes ficavam em volta, mas aquilo não podia ser o caminho, já que havia mais que duas esquinas e não havia outras curvas. 
Mesmo sem saber o que poderia significar a tal letra, resolvi que tentaria achar o "X". Talvez uma luz brilhasse para mim quando eu chegasse lá. Faria isto naquela mesma noite.
Estava feliz por ter descoberto algo útil, e tomado uma decisão. Coloquei o cartão ao lado da luminária, a qual apaguei, e acendi as luzes normais novamente. Peguei o desenho do tal chefe de gangue. Eu conhecia alguns, e fiquei surpresa ao notar que, mesmo o desenho estando muito bem detalhado, não se parecia com nenhum dos que eu conhecia. Talvez ele não fosse muito bom? Ou talvez, fosse bom até demais. Sentia que já o encontrara em algum lugar.
Fechei os olhos, ainda segurando o desenho, e me deitei na cama. Queria pensar um pouco, talvez, dormir.
Então, uma cena me veio na cabeça. Meu primeiro - e último - contato com Cristopher. O homem com a arma apontada para mim, e logo depois morto pelo jovem garoto. Lembrei-me do susto ao ver seu corpo no chão, e do pavor ao sentir sua arma em minha cabeça. 
Foi então que vi seu rosto. Levantei-me rápido e encarei o desenho. Era ele. Há exatos seis anos atrás. 
Entrei correndo na sala de Alexander.
Charlotte: Há quanto tempo estou aqui?
Alexander: Muito. Por quê? Quer pagar o que você tem me custado nestes anos?
Encarei-o, séria.
Charlotte: Deixe as piadas para outra hora. Isto é importante. Eu sei quem é ele.
Coloquei o desenho em cima de sua mesa.
Alexander: Ótimo, vamos prendê-lo.
Ele se preparou para levantar.
Charlotte: Não é preciso. Ele está morto.
Alexander me encarou, surpreso.
Alexander: Quando?
Charlotte: Há seis anos.
Agora, estava claro que se sentia confuso.
Alexander: Mas... Você não trabalhava com isso ainda... Ou trabalhava?
Neguei.
Alexander: Então, como sabe disso?
Sorri. Percebi que ele ainda não sabia muitos detalhes sobre o meu passado.
Me sentei numa cadeira em frente a sua mesa.
Charlotte: Acho que... Está na hora de conversarmos sobre algumas coisas.
Ele suspirou.