segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Suspect - Capítulo 17: Saída de campo

17. Há diferença entre ser esperto e ser inteligente. Seja os dois.

Estávamos no meio da semana e eu já havia perdido dois dias. Mentalmente, havia feito planos para voltar a ativa. Nenhum deles incluía Scott.
Quando saí do quarto o encontrei encostado ao lado da minha porta, fora da visão de Alexander — que deixara a sua totalmente aberta.
Ele vestia suas roupas sociais de sempre, enquanto eu estava novamente com uma regata branca e uma calça preta cheia de bolsos, um modelo semelhante ao do exército. Meu tênis preto e gasto completava o visual.
Scott: Sentiu minha falta nesse longo e angustiante tempo em que ficamos afastados?
Encarei-o, deixando claro a minha infelicidade com a sua presença.
Charlotte: A solidão combina comigo.
Saímos do corredor e, em seguida, da delegacia.
Foi quando percebi que eu estava o seguindo que parei.
Charlotte: Vai me contar aonde estamos indo?
Ele se virou, sorrindo.
Scott: Você eu não sei, mas tenho coisas para fazer desse lado.
Lancei um olhar mortal enquanto apertava o cabo da faca em meu bolso. Tinha a sensação de que os nós dos meus dedos já estavam brancos.
Ele andou até mim, colocando um de seus braços ao redor da minha cintura e me guiando gentilmente para o seu carro, o qual notei que estava estacionado na próxima esquina.
Scott: É brincadeira, amor. Sabe que sempre tenho algum plano com você.
Senti a malícia em sua voz, o que não ajudava em meu atual estado de espírito.
Charlotte: Você gosta de brincar com fogo, não é mesmo?
Ele me lançou um daqueles olhares de cima a baixo.
Scott: Ah, sim. Adoro coisas quentes.
Revirei os olhos enquanto me desvencilhava de seu braço.
Charlotte: Isso é o melhor que pode fazer?
Quando me dei conta, estávamos em frente ao seu carro. Ele abriu a porta do passageiro e sorriu inocentemente, enquanto esperava que eu entrasse. Era interessante como Scott conseguia deturpar até a imagem da pureza.
Charlotte: Para onde vamos?
Scott: Para o outro lado. Meu informante disse que podemos ter alguma pista no último local de trabalho de Cristopher.
Me virei para encara-lo, preparada para negar.
Charlotte: Nós vamos para o meio da máfia? Você está louco?
Scott: Ah, vamos. Confie em mim.
Cruzei os braços. Ele precisaria mais do que aquilo para me convencer.
Scott: Tudo bem, não confie. Mas eu tenho todo o esquema que ele usou para matar os dois...
Ele não precisou terminar a frase para eu entender o que queria dizer. Ele sabia cada passo que Cristopher havia dado no dia do assassinato, o que era, de fato, uma boa pista. Scott voltara a sorrir e eu me contive para não tirar aquela demonstração de felicidade besta com as minhas próprias mãos.
Entrei no carro, reclamando mentalmente. Olhei ao redor enquanto Scott dava a volta para entrar, tendo certeza que ele não aprontaria nada.
Ao entrar no carro, retirou um papel dobrado do bolso e em seguida me entregou.
Desdobrei enquanto ele dava partida e nos levava para o primeiro local.
O papel continha nomes de lugares não muito específicos, ordenados pelos passos de Cristopher. O primeiro era um antigo abrigo, mas havia muitos anos que o fecharam, deixando o lugar abandonado. Em segundo, estava o lugar do assassinato e em terceiro o abrigo novamente. Em quarto havia apenas a palavra "fornecedor" e então voltava para a casa e fim.
Scott: O abrigo fica a duas ruas da casa dos mafiosos mortos.
Charlotte: O que é esse fornecedor?
Scott: Sinceramente, não sei. Eu pensei em drogas, mas não acho que ele seja estúpido o suficiente para usá-las e com certeza ele não é um traficante.
Tive a impressão de ter ouvido certa amargura em sua voz.
Assim como a casa das vitimas de Cristopher, o abrigo ficava no outro lado da cidade. No entanto, o tempo do percurso era mais rápido de carro, de modo que levamos apenas vinte minutos para chegar ao destino. Durante esse tempo, nossa conversa se limitou a teorias que no final perdiam o sentido.
Scott estacionou uma rua atrás do abrigo. Sua expressão parecia mais suave comparado ao momento em que começamos a falar de Cristopher.
Antes que ele abrisse sua porta, não resisti a perguntar.
Charlotte: Você nunca me disse o porquê de estar atrás de Cristopher.
Ele sequer se deu o trabalho de me encarar.
Scott: Se você precisasse saber, eu já teria contado.
Em seguida, saiu do carro.
Fiquei boquiaberta por alguns segundos. Scott jamais usara um tom rude ou agressivo comigo e eu jamais havia considerado a busca por Cristopher algo pessoal.
Tentando ignorar a atitude, sai do carro e andamos em silêncio até o abrigo.
Tanto a rua do abrigo como a que ficava atrás estava completamente silenciosa. Não havia carros passando, crianças jogando ou até mesmo adultos observando. Era como se tudo ali estivesse abandonado, com a pintura das casas de madeira suja e o mato nas calçadas. Pude avistar dentro do jardim de uma casa uma bicicleta velha, claramente gasta. Mostrava marcas de que um dia haviam sido colados adesivos, mas agora ela parecia algo que se encontraria num ferro velho.
Scott: Ali.
Scott apontou para um prédio cinzento com janelas sem vidro. Quando nos aproximamos pude notar que a madeira da porta estava se entortando.
Peguei minha faca no bolso enquanto Scott ia na frente. Abriu a porta lentamente e a mesma rangeu baixo.
Entramos no prédio lentamente, observando tudo. Parecia ter três andares e o primeiro não era muito convidativo. Cobertas rasgadas estavam amontoadas num canto e não havia sinais de um dia aquele lugar ter recebido a presença de móveis.
O cheiro de álcool e cigarro era forte, misturado com urina e suor.
Charlotte: Do segundo ou terceiro andar deve dar para ver a casa dos mafiosos.
Scott concordou com um único gesto de cabeça e subiu a escada. Fui logo atrás.
A escada era feita de cimento. Ainda com a fraca iluminação natural, era possível notar que aquele corredor estreito estava coberto por uma grossa camada de poeira. Ao olhar para cima pude ver os fios onde deveriam estar às lâmpadas cortados.
O segundo andar era mais limpo. Cobertores e mantas estavam espalhados pelo chão, mas o lugar parecia vazio. A minha direita ainda havia uma parede com porta, como se fosse um segundo e comprido cômodo naquele andar. Scott foi em direção a ele enquanto fui para as janelas, tentando evitar pisar nos trapos jogados no piso.
Não havia muita coisa para se apreciar além do detalhado das casas vizinhas. Ainda não era o suficiente para ver a rua que queríamos.
Pude escutar Scott se aproximar poucos minutos depois.
Scott: Está vazio, exceto por um mendigo, mas ele deve estar morto. Encontrou algo?
Neguei e ele veio até a janela, observando no meu lugar. Aguardei pacientemente atrás dele, me perguntando o que deveríamos encontrar ali. Talvez algum pertence de Cristopher?
Scott se virou fazendo que ia falar algo, mas me agarrou de forma protetora enquanto rapidamente nos agachávamos. Antes que eu entendesse o que ele estava fazendo, estávamos no chão e eu podia ouvir uma garrafa se quebrando no andar debaixo.
Uma figura que parecia ter dificuldades para se equilibrar estava parada em frente à porta do outro cômodo, nos observando.
Mendigo: Cês num pode sair não. busca otra.
Antes que pudéssemos falar qualquer coisa, o mendigo voltou para dentro.
Scott me soltou enquanto levantávamos.
Scott: Você está bem?
Charlotte: Estou. Um pouco surpresa, talvez desconfiada, supondo que esse seria o morto que você encontrou.
Scott: Desconfiada?
Charlotte: Das suas habilidades, é claro. Como um assassino consegue confundir um morto com um bêbado?
Scott não pudera responder, pois o mendigo voltara, agora com duas garrafas de vidro vazias nas mãos.
Mendigo: Hehe.
Charlotte: Ei, se acalme.
As palavras foram inúteis e ele arremessou outra garrafa. Scott e eu corremos no exato momento em que o vidro atingiu a parede, errando por pouco a janela.
Ele mirava a segunda garrafa quando Scott resolveu iniciar um diálogo.
Scott: Alguém veio aqui recentemente?
O mendigo parou por um momento, o suficiente para eu finalmente poder fazer uma análise rápida: cabelos grisalhos longos e arrebentados, assim como a barba. As mangas de sua camiseta foram arrancadas e era possível que um dia ela tivesse sido branca. Usava uma bermuda de um tecido que definitivamente não era jeans. A mesma estava rasgada e manchada em diversos pontos. Me perguntava há quanto tempo ele não trocava de roupa quando finalmente respondeu.
Mendigo: Teve um, sim. Ontem. Mas ele disse que ia comprar mais bebida e sumiu. Acho que pegaram ele.
Eu e Scott nos entreolhamos. Definitivamente não era Cristopher.
Scott: Tente lembrar de alguém na semana passada, talvez na outra.
Mendigo: Cê tá pedindo demais.
Charlotte: Não veio ninguém que não bebia?
O mendigo sorriu abertamente, revelando dentes amarelados e tortos.
Mendigo: Ah sim. Eu jamais me esqueceria dele. Ele comprou bebida pra mim.
Charlotte: Isso é ótimo.
Mendigo: Sim, bebida é ótimo!
Charlotte: Claro... Por que você não nos fala sobre ele?
O mendigo agora já tinha desistido de jogar as garrafas. Tentar agir de modo amigável era o melhor a se fazer, percebi.
Mendigo: Ele quem?
Charlotte: O cara que comprou bebidas pra você...
Mendigo: Ah sim, ele é legal!
Charlotte: E o que mais?
Mendigo: O que mais o que?
Encarei Scott, impaciente. Ele parecia estar se divertindo.
Charlotte: O homem que comprou bebidas para você te contou algo? O que ele estava fazendo aqui?
Ele olhou para mim e em seguida para Scott. Cambaleou até a janela, largando a garrafa vazia no chão. Ficou observando por alguns segundos até erguer o braço e apontar para uma casa. Demorou mais alguns segundos até falar algo.
Mendigo: Ele ia pra lá. A de vermelho. Aquilo é vermelho, né?
Ele permaneceu apontando enquanto Scott e eu nos aproximávamos. Havia apenas uma casa com um muro baixo e pintando recentemente de vermelho.
Scott: É sim.
Em seguida, andamos apressadamente em direção ao térreo. Scott parecia ter recuperado o seu humor.
O mendigo não nos seguiu, mas gritou algo como “me tragam bebida” enquanto saíamos.
Charlotte: Seu informante poderia ter dito que a pista era um bêbado.
Scott: Ele gosta fazer surpresas.
Pude perceber que não era a primeira vez que Scott passara por algo do tipo graças ao seu informante. Achei graça.
A casa mencionada ficava do outro lado da rua, algumas residências mais a frente. Paramos em frente a ela e observamos por algum tempo. Diferente da maioria ao redor, ela era feita de concreto num modelo quadrado e tinha paredes brancas, com grades nas janelas. As cortinas estavam fechadas, de modo que a única coisa visível de dentro da casa era um tecido branco.
Ia sugerir de entrarmos quando escutei passos distantes ao mesmo tempo em que olhei para cima. Havia alguém no telhado, longe o suficiente para que não víssemos quem, mas ainda era possível escuta-lo.
Ficamos parados em frente a casa por algum tempo, sem saber bem como reagir.
Scott: Vamos voltar?
Eu ia questionar e negar, até que vi uma sombra se aproximando do telhado novamente. Algo me dizia que deveríamos ir embora, então segui os instintos e apenas concordei.
Voltamos em silêncio, tentando agir com naturalidade até chegarmos ao carro.
Charlotte: O que você acha que é?
Scott: Com certeza não é uma loja de bebidas.
Conseguimos um novo problema. Me perguntava se Ashley já havia conseguido as informações que havia prometido quando tive uma ideia.
Charlotte: Vire na próxima rua.
Scott: Quando eu virei seu motorista?
Charlotte: No exato momento em que me acordou.
Scott obedeceu e então estávamos na rua do escritório de Ash.
Charlotte: Estacione ali. Eu já volto.
Ele estacionou, mas quando desci do carro me deparei com ele logo atrás. Questionei-o com o olhar.
Scott: Também gosto de passear.
Charlotte: Quer uma coleira também?
Scott: Se isso for me manter preso a você...
Revirei os olhos, ignorando o último comentário.
Entrei no prédio e fui em direção ao corredor sem muitas cerimônias. Não queria que Scott gravasse a localização, mesmo achando que já era tarde para isso.
Era possível ouvir a música vinda da sala de Ashley. Bati na porta duas vezes e uma garota de cabelos castanhos a entreabriu. Ela devia ter me reconhecido, pois permitiu a entrada logo em seguida, sem sequer pedir permissão a sua chefe.
Luz negra dominava o ambiente. Algumas das garotas que trabalhavam para Ash estavam sentadas nos cantos, conversando, enquanto a loira estava no sofá em frente à porta, no colo de sua namorada e a beijando.
Pude sentir a presença de Scott logo atrás de mim, que logo sussurrou.
Scott: E você queria que eu perdesse a diversão?
Charlotte: Você consegue ficar quieto por dois minutos?
Ele fez um sinal como se estivesse fechando a boca com o zíper. Era momentos como aquele que me faziam questionar sua idade mental.
Ashley: Charlotte!
Ashley estava se levantando enquanto limpava o batom rosa recém-borrado ao redor dos lábios. Ela ordenou que uma das garotas pegasse algo na estante ao lado enquanto vinha me cumprimentar.
Ela me abraçou e mais rápido do que eu gostaria seu olhar pousou em Scott.
Ashley: Ah! Então esse é o Scott?
Scott deu um daqueles sorrisos avassaladores, mas permaneceu em silêncio.
Ashley: Vocês...
Charlotte: Você sabe algo sobre uma casa de muro vermelho?
Um envelope roxo apareceu na frente de Ashley, que o pegou e em seguida me entregou. Não precisou dizer o que era para eu saber do que se tratava.
Ashley: Uma casa de muro vermelho?
Charlotte: Sim. Quadrada, branca, muro baixo vermelho, janelas com grades...
Ash pensou um pouco.
Charlotte: Fica do outro lado.
Ashley: Ah! É uma casa de armas. Não vá lá, os caras são uns machistas babacas, além de extremamente grosseiros.
Olhei para Scott rapidamente para ter certeza de que ele estava acompanhando, quando notei que ele observava o relógio de pulso.
Ashley: Se você precisar de armas, eu posso ajudar. Não vá atrás deles.
Sorri com a preocupação dela.
Charlotte: Está tudo bem, não é por isso que estamos interessados na casa.
Ashley: Vai me contar o que está acontecendo?
Encarei o envelope em minhas mãos.
Charlotte: Mais tarde, talvez. Há coisas que preciso resolver.
Ela me abraçou uma segunda vez.
Ashley: Boa sorte! Com tudo.
Em seguida olhou diretamente para mim, para Scott e então novamente para mim.
Mais uma vez, revirei os olhos.
Charlotte: Até mais tarde, Ash.
Saí da sala enquanto a ouvia rir baixinho. Scott sequer esperou a porta se fechar para voltar a falar.
Scott: Você fala de mim para suas amigas?
Charlotte: Não preciso. Todas sabem como você é.
Scott: Você quer dizer charmoso, sensual e persuasivo?
Parei no meio do caminho, encarando-o.
Charlotte: Irritante, metido e insuportável.
Voltei a andar, agora já saindo do prédio. Esperei até que entrássemos no carro para abrir o envelope.

Havia várias folhas, desde o perfil dos mortos até quem tinha contratado Cristopher. Na última folha, escrito em letras vermelhas no topo da página dizia "próxima vítima". Perdi a fala por alguns segundos ao ver de quem se tratava.