8. Sempre haverá uma saída
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Fiquei desconfiada no começo, mas algum tempo depois comecei a relaxar.
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Fiquei desconfiada no começo, mas algum tempo depois comecei a relaxar.
Já
se passava da meia noite, mas o restaurante continuava cheio. Scott e eu
comparávamos nossas vidas. Scott sempre tivera muito dinheiro, enquanto eu
tentava roubar alguns trocados de minhas responsáveis no orfanato, já que
nenhuma nunca gostou muito de mim e "esqueciam" de preparar meu
lanche.
Charlotte: Mas...
Eu não entendo... Se você sempre teve tanto dinheiro, por que virar um
assassino? Quer dizer, se você quisesse matar alguém, podia só contratar uma
pessoa.
Ele
sorriu.
Scott: Minha
história não é tão simples.
Charlotte: E
qual é a sua história?
Ele
contou que, com quinze anos, ajudou uma garota mais nova a fugir de um homem
mais velho que estava a encurralando num beco. Ele matou o homem agilmente, e
no dia seguinte, dois homens o seguiram e o sequestraram, de modo que pudessem
testar suas habilidades que até então eram desconhecidas. Eles pediram para que
Scott matasse um homem, e, após pensar muito, ele acabou concordando. Foi assim
que começou no ramo.
Acredito
que eu tenha ficado muito quieta após ter revelado seu passado, porque logo ele
demonstrou curiosidade e diversão.
Scott: No
que está pensando?
Charlotte: Eu
tenho que admitir... Estou sem palavras. Quem diria que alguém como você se
tornaria um assassino.
Scott: Alguém
como eu?
Charlotte: Sim...
Veja, um garoto rico, provavelmente com uma boa família e uma vida que todos
sonham em ter... Abandona tudo para matar pessoas.
Scott: Se
você quer mesmo saber, eu não tive muita coisa para abandonar.
Ele
bebeu um gole d'água. Já era tarde e dispensamos o vinho, pois nem eu e muito
menos ele queríamos estar bêbados no fim da noite.
Charlotte: Como
as...
Scott: Meus
pais estão mortos, Charlotte, assim como todos os outros membros da minha
família. Não há ninguém vivo, ao menos não que eu saiba, além de mim.
Senti
seu humor mudar de repente. Não sabia se era raiva, ou desinteresse pelo
assunto. Talvez não gostasse de falar sobre, ou apenas estivesse cansado,
afinal, já era tarde.
Ambos
ficamos em silêncio após isso.
Charlotte: Desculpe...
Acho que eu não devia ter comentado sobre isso...
Ele
permaneceu em silêncio, seu olhar era vazio. Perguntava-me se ele realmente
havia me ouvido.
Ficamos
assim por longos e tortuosos dez minutos, até que ele se manifestou, ainda com
sua expressão um tanto perdida.
Scott: Você
quer mais alguma coisa?
Neguei,
um pouco confusa.
Scott: Então
acho que já podemos ir, certo? Está tarde e tudo mais.
Concordei
com um sinal afirmativo com a cabeça e esperei que pagasse a conta.
Ele
se levantou e então fiz o mesmo logo em seguida. Andamos juntos, em silêncio,
até a entrada do restaurante.
Parei
em frente à calçada, enquanto ele caminhava até o estacionamento. Ele parou e
se virou para me encarar.
Scott: Você
não vem?
Neguei.
Scott: Não
se faça de difícil. Você sabe que está tarde e cansada. A delegacia é longe
daqui também, eu sei que quer uma carona.
Ele
estava certo, eu queria. Mas, já sabia onde isso acabaria. Afinal, dois jovens,
sem compromissos, num carro, sozinhos no meio da noite...
Charlotte: Outra
hora, quem sabe.
Ele
sorriu, um tanto forçado, parecia um pouco triste, talvez cansado, mas sorriu.
Scott: Quem
sabe.
Então,
fiquei parada observando-o sumir pela porta de vidro que levava até ao
estacionamento.
Atravessei
a rua, e andei preguiçosamente até a delegacia.
Com
certeza, algo trágico havia acontecido com a família de Scott, e ele claramente
não queria falar sobre isso. Mas, no geral, a noite foi interessante. Não só
descobri mais sobre o garoto, como também me diverti muito. Quer dizer, sendo
uma assassina e tudo o mais, você pode até frequentar bons lugares (graças as
suas vítimas), mas, tendo uma pessoa em que você pode confiar e saber que
quando acordar no dia seguinte ela não estará morta por sua causa, é algo bem
confortável.
Faltava
umas cinco quadras para que eu chegasse à delegacia, quando eu ouvi um grito.
Parei e olhei para todos os lados em busca do som, mas como não achei algum
sinal, ignorei e continuei meu caminho.
Quando
cheguei à delegacia, fui ignorada pelos policiais de plantão, que estavam
visivelmente cansados. Dirigi-me ao meu quarto e então me preparei para
dormir.
Eu
estava inquieta, mas de alguma forma, consegui dormir rapidamente.
Por algum motivo, acordei cedo sem ficar cansada.
Às
nove horas eu iria me encontrar com um novo cliente. Seu nome era Adam Lewis.
Ele queria que eu o encontrasse em sua casa, mas disse que não seria possível,
então resolvemos marcar no centro da cidade, em frente a uma loja de
moveis.
Cheguei
ao local alguns minutos antes, e fiquei na porta esperando o senhor. Mesmo
sendo cedo em pleno dia de semana, aquela parte da cidade continuava agitada.
Adolescentes (que deviam estar na escola há essa hora) andavam em grupos de
três a quatro pessoas, enquanto mulheres que aparentavam ser secretárias
corriam com copos de café em direção aos prédios comerciais.
Um
homem caminhou em minha direção, parando ao meu lado. Não era gordo nem magro.
Possuía cabelos grisalhos, assim como o seu bigode. Sua pele era enrugada.
Vestia uma blusa polo laranja e uma bermuda caqui, que não combinavam com os
seus chinelos claramente gastos. Usava também um chapéu de palha. Parecia
inofensivo, não tinha cara de que queria matar alguém. E então ele se
aproximou.
Homem: Você
é a Charlota?
Dei-lhe
um sorriso forçado.
Charlotte: Meu
nome é Charlotte. Você deve ser o Adam, certo?
Ele
confirmou com um sorriso e esticou sua mão para um cumprimento.
Adam: Vamos,
Charlota, por que não tomamos um café enquanto conversamos?
O
homem saiu sorridente em frente.
Fiquei
um tanto surpresa com o animo do homem, mas continuei o seguindo até uma
confeitaria pequena que fora aberta poucos minutos antes de nossa chegada. No
caminho, Adam puxou diversos assuntos. Desde "o porquê de o céu ser
azul" até assuntos como política.
Sentamo-nos
numa mesa do lado de fora da confeitaria. Pessoalmente, preferia um lugar que
fosse menos visível, mas achei que uma vez ou outra não faria mal mudar um
pouco.
Pedi
um café preto, e ele um cappuccino e um pedaço de torta. Esperamos em
silêncio até nossos pedidos chegarem.
Observei,
nesse curto tempo, que ele observava a rua com atenção, sempre sorrindo. Como
se algo naqueles prédios comerciais ou nas pessoas que passavam lhe trouxessem
boas lembranças.
A
garçonete trouxe nossos pedidos, e esperamos que fosse embora para que
começássemos o assunto.
Ele
tomou um gole do cappuccino, que viera com o desenho de uma flor.
Adam: Preciso
que você mate o meu amigo.
Seu
rosto sorridente mudou para uma expressão séria e fria.
Charlotte: Senhor,
não é tão simples.
Ele
permaneceu em silêncio.
Charlotte: Por
que não começa dizendo quem é seu amigo?
Ele
voltou a olhar para a rua, mas já não sorria mais.
Adam: Nós
crescemos juntos, e fomos para o exército juntos. Há alguns anos... Ele se meteu
com o tráfico de drogas, lucrou muito...
Comecei
a pensar em como dizer a ele que eu não podia matar um traficante de
drogas.
Havia
um acordo entre os traficantes e mafiosos do beco e eu. Não iriamos interferir
nos trabalhos uns dos outros. Se fosse extremamente necessário, deveríamos
conversar e negociar. Não importaria se eram especificamente eles, ou outros
que não frequentavam o local, pois hora ou outra ficariam sabendo. E isso
traria muitos problemas.
Adam: ...Até
que ele começou com um novo tipo de trabalho. Ele começou a traficar órgãos.
Uma
pessoa que segue uma vida normal ficaria chocada, mas eu já estava acostumada.
Já havia matado pessoas com carreiras semelhantes.
Adam: Não
vou mentir, não gostei da nova profissão dele, mas tentei fingir que ele não
fazia nada daquelas coisas e evitava conversar sobre esse assunto. Mas, as
coisas ficaram mais sérias...
Charlotte: Você
pode ir direto ao ponto?
Ele
ficou em silêncio e continuou a observar a rua.
Adam: Ele
quer matar minha neta, e a mim também.
O
motivo pelo qual Adam queria a morte do amigo já estava claro: ele queria se
prevenir. Sabia que ia ser assassinado e precisava se cuidar.
Charlotte: Desculpe,
mas não entendi a relação da sua neta com tudo isso.
Ele
quis gritar, mas não podia. Demonstrou sua raiva num tom baixo, extremamente
irritado.
Adam: Ele
vai mata-la para pegar seus órgãos!
Charlotte: E
você? Por que ele o mataria? Por defender sua neta?
Ele
me encarou. Estava nervoso, mas respondeu calmamente.
Adam: Não.
Ele vai me matar porque eu sei demais, e sabe que não apoio seu trabalho. Sabe
que vou entrega-lo se machucar a minha família!
Respirei
fundo.
Charlotte: Senhor
Lewis, entendo totalmente o seu lado. Entendo que você quer proteger sua neta e
a si mesmo, mas precisarei de um tempo. Dê-me algo para que eu possa
identificar seu amigo e então eu verei se mata-lo realmente é a melhor escolha.
Seu
rosto estava vermelho. Ele tirou a carteira do bolso e começou a resmungar.
Adam: Você
acha que eu tenho tempo? Eu não posso morrer, não agora que...
Adam
parou de falar e tirou uma foto dobrada da carteira. Jogou-a sobre a mesa.
Mesmo sem poder ver a imagem, era fácil perceber que era uma imagem antiga e
que havia sido muito manuseada.
Estiquei
o braço para pegar a foto e então a desdobrei.
Havia
dois homens com aparência de seus trinta anos, encostados em um muro.
A foto estava rasgada do lado direito, como se faltasse um pedaço
dela.
Olhei
para o homem da esquerda e depois para Adam. Mesmo com grandes mudanças em seus
traços, ainda era possível identificar qual deles era o senhor na foto.
Agora,
ele olhava para a rua. Pela primeira vez, me virei para observar a mesma coisa
que ele. Notei que o muro da igreja próxima a um dos prédios comerciais era o
mesmo da foto. Com uma nova pintura, mas era o mesmo. Ficamos um tempo
observando em silêncio.
Adam: Eu
vou embora agora.
Ele
se levantou, sorrindo novamente. Permaneci sentada.
Charlotte: Espere...
Você não me deu um nome!
Adam
se virou e sorriu.
Adam: Eu não lhe contei?
Ele foi dado como morto. Ninguém sabe que está vivo. Ele usa
apenas pseudônimos agora, e não me contou nenhum.
Aquilo
seria um problema. Um enorme problema.
Adam: Até
mais, Charlota.
Ele
se virou e andou até a saída. Queria pedir para ficar e me dizer o nome de seu
amigo mesmo assim, mas algo me dizia para não fazer isso. Permaneci sentada,
observando muro, pensativa. Estava tão concentrada, que só notei a presença de
Scott quando ele me chamou pelo nome.
Scott: Charlotte.
Virei-me.
Ele estava sentado a minha frente, no lugar de Adam.
Confesso
que não esperava vê-lo tão cedo. Quer dizer, eu sabia que ele me procuraria
para falarmos sobre Cristopher, mas... Já?
Notei
que suas expressões eram de desconfiança e seriedade. Expressões que eu
ainda não havia visto vindo dele.
Scott: Sobre
o que você estava conversando com a minha vítima?
Eu ainda
estava pensando na história de Adam. Não estava muito concentrada nas palavras
de Scott... Até que ele disse "vítima".
Minhas
palavras soaram vazias.
Charlotte: Sua
o quê?