sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Suspect - Capítulo 8: Coincidências

8. Sempre haverá uma saída
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Fiquei desconfiada no começo, mas algum tempo depois comecei a relaxar. 
Já se passava da meia noite, mas o restaurante continuava cheio. Scott e eu comparávamos nossas vidas. Scott sempre tivera muito dinheiro, enquanto eu tentava roubar alguns trocados de minhas responsáveis no orfanato, já que nenhuma nunca gostou muito de mim e "esqueciam" de preparar meu lanche.
Charlotte: Mas... Eu não entendo... Se você sempre teve tanto dinheiro, por que virar um assassino? Quer dizer, se você quisesse matar alguém, podia só contratar uma pessoa. 
Ele sorriu.
Scott: Minha história não é tão simples.
Charlotte: E qual é a sua história?
Ele contou que, com quinze anos, ajudou uma garota mais nova a fugir de um homem mais velho que estava a encurralando num beco. Ele matou o homem agilmente, e no dia seguinte, dois homens o seguiram e o sequestraram, de modo que pudessem testar suas habilidades que até então eram desconhecidas. Eles pediram para que Scott matasse um homem, e, após pensar muito, ele acabou concordando. Foi assim que começou no ramo.
Acredito que eu tenha ficado muito quieta após ter revelado seu passado, porque logo ele demonstrou curiosidade e diversão.
Scott: No que está pensando?
Charlotte: Eu tenho que admitir... Estou sem palavras. Quem diria que alguém como você se tornaria um assassino. 
Scott: Alguém como eu?
Charlotte: Sim... Veja, um garoto rico, provavelmente com uma boa família e uma vida que todos sonham em ter... Abandona tudo para matar pessoas.
Scott: Se você quer mesmo saber, eu não tive muita coisa para abandonar.
Ele bebeu um gole d'água. Já era tarde e dispensamos o vinho, pois nem eu e muito menos ele queríamos estar bêbados no fim da noite.
Charlotte: Como as...
Scott: Meus pais estão mortos, Charlotte, assim como todos os outros membros da minha família. Não há ninguém vivo, ao menos não que eu saiba, além de mim.
Senti seu humor mudar de repente. Não sabia se era raiva, ou desinteresse pelo assunto. Talvez não gostasse de falar sobre, ou apenas estivesse cansado, afinal, já era tarde. 
Ambos ficamos em silêncio após isso.
Charlotte: Desculpe... Acho que eu não devia ter comentado sobre isso...
Ele permaneceu em silêncio, seu olhar era vazio. Perguntava-me se ele realmente havia me ouvido.
Ficamos assim por longos e tortuosos dez minutos, até que ele se manifestou, ainda com sua expressão um tanto perdida.
Scott: Você quer mais alguma coisa? 
Neguei, um pouco confusa.
Scott: Então acho que já podemos ir, certo? Está tarde e tudo mais.
Concordei com um sinal afirmativo com a cabeça e esperei que pagasse a conta.
Ele se levantou e então fiz o mesmo logo em seguida. Andamos juntos, em silêncio, até a entrada do restaurante.
Parei em frente à calçada, enquanto ele caminhava até o estacionamento. Ele parou e se virou para me encarar.
Scott: Você não vem?
Neguei.
Scott: Não se faça de difícil. Você sabe que está tarde e cansada. A delegacia é longe daqui também, eu sei que quer uma carona.
Ele estava certo, eu queria. Mas, já sabia onde isso acabaria. Afinal, dois jovens, sem compromissos, num carro, sozinhos no meio da noite...
Charlotte: Outra hora, quem sabe.
Ele sorriu, um tanto forçado, parecia um pouco triste, talvez cansado, mas sorriu.
Scott: Quem sabe.
Então, fiquei parada observando-o sumir pela porta de vidro que levava até ao estacionamento.
Atravessei a rua, e andei preguiçosamente até a delegacia.
Com certeza, algo trágico havia acontecido com a família de Scott, e ele claramente não queria falar sobre isso. Mas, no geral, a noite foi interessante. Não só descobri mais sobre o garoto, como também me diverti muito. Quer dizer, sendo uma assassina e tudo o mais, você pode até frequentar bons lugares (graças as suas vítimas), mas, tendo uma pessoa em que você pode confiar e saber que quando acordar no dia seguinte ela não estará morta por sua causa, é algo bem confortável.
Faltava umas cinco quadras para que eu chegasse à delegacia, quando eu ouvi um grito. Parei e olhei para todos os lados em busca do som, mas como não achei algum sinal, ignorei e continuei meu caminho.
Quando cheguei à delegacia, fui ignorada pelos policiais de plantão, que estavam visivelmente cansados. Dirigi-me ao meu quarto e então me preparei para dormir. 
Eu estava inquieta, mas de alguma forma, consegui dormir rapidamente.

Por algum motivo, acordei cedo sem ficar cansada. 
Às nove horas eu iria me encontrar com um novo cliente. Seu nome era Adam Lewis. Ele queria que eu o encontrasse em sua casa, mas disse que não seria possível, então resolvemos marcar no centro da cidade, em frente a uma loja de moveis. 
Cheguei ao local alguns minutos antes, e fiquei na porta esperando o senhor. Mesmo sendo cedo em pleno dia de semana, aquela parte da cidade continuava agitada. Adolescentes (que deviam estar na escola há essa hora) andavam em grupos de três a quatro pessoas, enquanto mulheres que aparentavam ser secretárias corriam com copos de café em direção aos prédios comerciais. 
Um homem caminhou em minha direção, parando ao meu lado. Não era gordo nem magro. Possuía cabelos grisalhos, assim como o seu bigode. Sua pele era enrugada. Vestia uma blusa polo laranja e uma bermuda caqui, que não combinavam com os seus chinelos claramente gastos. Usava também um chapéu de palha. Parecia inofensivo, não tinha cara de que queria matar alguém. E então ele se aproximou.
Homem: Você é a Charlota?
Dei-lhe um sorriso forçado.
Charlotte: Meu nome é Charlotte. Você deve ser o Adam, certo?
Ele confirmou com um sorriso e esticou sua mão para um cumprimento.
Adam: Vamos, Charlota, por que não tomamos um café enquanto conversamos?
O homem saiu sorridente em frente. 
Fiquei um tanto surpresa com o animo do homem, mas continuei o seguindo até uma confeitaria pequena que fora aberta poucos minutos antes de nossa chegada. No caminho, Adam puxou diversos assuntos. Desde "o porquê de o céu ser azul" até assuntos como política.
Sentamo-nos numa mesa do lado de fora da confeitaria. Pessoalmente, preferia um lugar que fosse menos visível, mas achei que uma vez ou outra não faria mal mudar um pouco.
Pedi um café preto, e ele um cappuccino e um pedaço de torta. Esperamos em silêncio até nossos pedidos chegarem.
Observei, nesse curto tempo, que ele observava a rua com atenção, sempre sorrindo. Como se algo naqueles prédios comerciais ou nas pessoas que passavam lhe trouxessem boas lembranças.
A garçonete trouxe nossos pedidos, e esperamos que fosse embora para que começássemos o assunto.
Ele tomou um gole do cappuccino, que viera com o desenho de uma flor.
Adam: Preciso que você mate o meu amigo.
Seu rosto sorridente mudou para uma expressão séria e fria.
Charlotte: Senhor, não é tão simples.
Ele permaneceu em silêncio.
Charlotte: Por que não começa dizendo quem é seu amigo?
Ele voltou a olhar para a rua, mas já não sorria mais.
Adam: Nós crescemos juntos, e fomos para o exército juntos. Há alguns anos... Ele se meteu com o tráfico de drogas, lucrou muito...
Comecei a pensar em como dizer a ele que eu não podia matar um traficante de drogas. 
Havia um acordo entre os traficantes e mafiosos do beco e eu. Não iriamos interferir nos trabalhos uns dos outros. Se fosse extremamente necessário, deveríamos conversar e negociar. Não importaria se eram especificamente eles, ou outros que não frequentavam o local, pois hora ou outra ficariam sabendo. E isso traria muitos problemas.
Adam: ...Até que ele começou com um novo tipo de trabalho. Ele começou a traficar órgãos.
Uma pessoa que segue uma vida normal ficaria chocada, mas eu já estava acostumada. Já havia matado pessoas com carreiras semelhantes.
Adam: Não vou mentir, não gostei da nova profissão dele, mas tentei fingir que ele não fazia nada daquelas coisas e evitava conversar sobre esse assunto. Mas, as coisas ficaram mais sérias...
Charlotte: Você pode ir direto ao ponto?
Ele ficou em silêncio e continuou a observar a rua.
Adam: Ele quer matar minha neta, e a mim também. 
O motivo pelo qual Adam queria a morte do amigo já estava claro: ele queria se prevenir. Sabia que ia ser assassinado e precisava se cuidar.
Charlotte: Desculpe, mas não entendi a relação da sua neta com tudo isso.
Ele quis gritar, mas não podia. Demonstrou sua raiva num tom baixo, extremamente irritado.
Adam: Ele vai mata-la para pegar seus órgãos!
Charlotte: E você? Por que ele o mataria? Por defender sua neta?
Ele me encarou. Estava nervoso, mas respondeu calmamente.
Adam: Não. Ele vai me matar porque eu sei demais, e sabe que não apoio seu trabalho. Sabe que vou entrega-lo se machucar a minha família!
Respirei fundo. 
Charlotte: Senhor Lewis, entendo totalmente o seu lado. Entendo que você quer proteger sua neta e a si mesmo, mas precisarei de um tempo. Dê-me algo para que eu possa identificar seu amigo e então eu verei se mata-lo realmente é a melhor escolha.
Seu rosto estava vermelho. Ele tirou a carteira do bolso e começou a resmungar.
Adam: Você acha que eu tenho tempo? Eu não posso morrer, não agora que...
Adam parou de falar e tirou uma foto dobrada da carteira. Jogou-a sobre a mesa. Mesmo sem poder ver a imagem, era fácil perceber que era uma imagem antiga e que havia sido muito manuseada.
Estiquei o braço para pegar a foto e então a desdobrei. 
Havia dois homens com aparência de seus trinta anos, encostados em um muro. A foto estava rasgada do lado direito, como se faltasse um pedaço dela. 
Olhei para o homem da esquerda e depois para Adam. Mesmo com grandes mudanças em seus traços, ainda era possível identificar qual deles era o senhor na foto. 
Agora, ele olhava para a rua. Pela primeira vez, me virei para observar a mesma coisa que ele. Notei que o muro da igreja próxima a um dos prédios comerciais era o mesmo da foto. Com uma nova pintura, mas era o mesmo. Ficamos um tempo observando em silêncio.
Adam: Eu vou embora agora.
Ele se levantou, sorrindo novamente. Permaneci sentada.
Charlotte: Espere... Você não me deu um nome!
Adam se virou e sorriu.
Adam: Eu não lhe contei? Ele foi dado como morto. Ninguém sabe que está vivo. Ele usa apenas pseudônimos agora, e não me contou nenhum.
Aquilo seria um problema. Um enorme problema.
Adam: Até mais, Charlota.
Ele se virou e andou até a saída. Queria pedir para ficar e me dizer o nome de seu amigo mesmo assim, mas algo me dizia para não fazer isso. Permaneci sentada, observando muro, pensativa. Estava tão concentrada, que só notei a presença de Scott quando ele me chamou pelo nome.
Scott: Charlotte.
Virei-me. Ele estava sentado a minha frente, no lugar de Adam.
Confesso que não esperava vê-lo tão cedo. Quer dizer, eu sabia que ele me procuraria para falarmos sobre Cristopher, mas... Já?
Notei que suas expressões eram de desconfiança e seriedade.  Expressões que eu ainda não havia visto vindo dele.
Scott: Sobre o que você estava conversando com a minha vítima?
Eu ainda estava pensando na história de Adam. Não estava muito concentrada nas palavras de Scott... Até que ele disse "vítima".
Minhas palavras soaram vazias.
Charlotte: Sua o quê?