6. Esteja sempre atento às pessoas a sua volta
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Charlotte: Você tem certeza que é aqui?
Era quase meia noite quando paramos em frente à suposta casa do
médico que foi subornado pela mãe de Estela.
Scott: Se não fosse, não estaríamos aqui.
Observei que não havia algum portão ou muro. Era apenas um enorme
jardim, com um caminho de pedras em direção à porta de uma bela casa.
Scott foi na frente. Notei que estava extremamente confiante, ao
contrário de mim. Paramos na frente da porta, e então ele apertou a campainha.
Eu estava um tanto nervosa. Como perguntaríamos a ele? "Ei,
por algum acaso você é um médico que foi subornado pela mãe de uma
traficante?" Isso me parecia um tanto arriscado.
Mesmo que eu morasse numa delegacia, ser encontrada pela polícia
era algo extremamente arriscado. Eram poucos os que me conheciam, então caso eu
fosse pega por algum outro policial, poderia não só acabar com a minha
carreira — e vida —, como poderia acabar com toda a vida de Alexander. Ele poderia
até
não ser preso, mas com certeza esse ato de proteção viraria
noticia. As chances dele
conseguir um bom emprego seriam quase nulas, e eu
não queria isso.
Um homem beirando seus cinquenta e sete anos atendeu. Não pude
observa-lo muito bem, pois, assim que abriu a porta, Scott acertou-o com um
soco, fazendo seu nariz sangrar. O homem cambaleou para trás, e então pudemos
entrar na casa.
Fiquei um tanto abismada com Scott. Quer dizer, o homem não havia
feito nada para merecer um soco em vez de um "olá".
Charlotte: Qual a necessidade disso?
Ele se virou para me encarar.
Scott: Para o nosso problema? Nenhuma.
O homem estava visivelmente irritado. Tinha cabelos grisalhos,
vestia um roupão velho. Observei que havia algumas garrafas de bebidas
empilhadas num dos cantos, todas vazias.
Homem: Quem diabos são vocês?
Scott sorriu. Era interessante, e ao mesmo tempo assustador ver
aquele lado "maligno" dele. Não era muito diferente de mim. Mas,
achei um pouco desnecessário golpear o homem antes mesmo de sermos
cumprimentados.
Scott: Não se lembra de mim, doutor Cosac?
O homem analisou Scott de cima a baixo, e em seguida negou. Pela a
expressão em seu rosto, por um momento achei que estava mentindo.
Scott: Estou surpreso. Deixe-me ajuda-lo a lembrar.
Em seguida, Scott empurrou o doutor num sofá que, até então, eu
não havia notado que estava ali.
Ele soqueava o homem com uma verdadeira raiva, de modo que fez com
que eu me aproximasse para separa-los.
O homem se levantou, com dificuldade.
Cosac: Você não mudou mesmo, Scott.
Scott quis avançar no homem novamente, mas eu o impedi. Estava
claro que algo havia acontecido entre eles.
Charlotte: Quem é ele?
Scott: Ele ameaçou a Fire. Fez com que ela lhe desse drogas de
graça e ainda abusou dela!
Cosac ria com as acusações de Scott.
Cosac: Ah Scott, foi isso que ela te contou? Acredite: ela que se
ofereceu.
Ele fez uma pausa. Scott estava mesmo irritado, e Cosac parecia
estar adorando aquilo.
Cosac: Quer saber? Vou te contar o que aconteceu.
Cosac tirava o excesso de sangue do rosto com as mãos. Ele se
sentou, e com um gesto, pediu para que nós fizéssemos o mesmo, mas
permanecemos em pé.
Cosac: Eu comprei muito dela, muito mesmo. Eu sabia desde a nossa
primeira noite, que tudo o que ela queria era o meu dinheiro. Mas, fazer o quê?
Não é sempre que temos alguém como Fire a nossa disposição. Nosso
"relacionamento" acabou quando ela percebeu que eu menti, dizendo que
não sabia muito sobre o que aconteceu com a mãe dela.
Vi que a expressão de raiva no rosto de Scott mudou para
compreensão, e em seguida raiva novamente, provavelmente por ter sido enganado.
Ficamos em silêncio por um tempo.
Cosac: Mas não foi por isso que vocês vieram aqui.
Encarei Scott, esperando que ele perguntasse algo relacionado ao
nosso pequeno problema, mas ele ainda parecia estar meio em choque.
Sentei-me numa poltrona perto do sofá onde estava o doutor.
Charlotte: Soube
que você fez o parto da mãe de Fire.
Ele sorriu e concordou.
Charlotte: Fire... Qual o nome verdadeiro dela?
Cosac: Você quer saber se ela tem uma irmã, certo?
Não pude evitar me impressionar.
Cosac: Eu estou ficando velho, mas não sou bobo. Aliás, não me
lembro de você.
Charlotte: É porque o senhor nunca me viu.
Me chamo Charlotte.
Conversamos um pouco. Ele perguntou o que eu fazia, e disse que
era do mesmo ramo de Scott.
Cosac: Bom, Charlotte, contarei o que você quer.
Scott, que parecia ter saído de seus pensamentos, sentou ao lado
do doutor.
Cosac: Eu e a mãe de Fire nos tornamos amigos quando estávamos nos
últimos anos de escola. Alguns dias depois da nossa formatura, ela perguntou o
que eu iria fazer. Respondi que tentaria a faculdade de medicina, e quando eu
fiz a mesma pergunta, ela me contou tudo. Havia conhecido um garoto da nossa
idade, que disse que se ela o ajudasse, ficaria rica. Era um traficante. Alguns
anos se passaram e eu me formei. Um dia, ela me ofereceu maconha. Obviamente,
eu neguei. Ah... Aquilo se repetiu tantas vezes... Um dia eu aceitei e acabei
sendo levado pelo vício. Foi um erro meu, mas ninguém sabia além dela. Quando
ela engravidou, eu fiquei surpreso. Ela casou logo depois.
Ele fez uma pausa, para garantir que estávamos ouvindo.
Cosac: Nós dois conseguimos parar com o vício juntos. Sabe, eu
conheci o marido dela. Um homem incrível, que estava verdadeiramente apaixonado
por ela. No dia que ela teve as crianças... Ela pediu para que eu dissesse que
ela estava morta. Ela levaria uma das crianças, e a outra deveria ficar com o
pai. Ela implorou para que eu não contasse para ninguém. Nunca me disse o
motivo, mas eu já sabia que ela havia voltado a se drogar. Fire, por outro
lado, nunca se drogou. Lembro como se fosse ontem, Fire com seus sete anos,
batendo na minha porta pedindo abrigo por uma noite. A mãe havia morrido num
tiroteio com uma gangue. Mesmo eu dizendo que não precisava, ela disse que
voltaria para onde estava morando, e só queria ficar longe por um dia, para
garantir que não seria atacada de surpresa. Depois disso, parei de vê-la.
Quando minha esposa me deixou, voltei a usar drogas, e acabei encontrando-a,
mas ela não me reconheceu de primeira. Foi então que tudo aconteceu. Ela mudou
muito desde que era uma pequena criança.
O silêncio dominou a sala por alguns minutos.
Então Fire tinha uma gêmea, e provavelmente não sabia disso. O pai
também não sabia de Fire, o que poderia deixar as coisas mais fáceis.
Cosac: Caroline. Uma vez, num jantar com Thomas e Mirian, a mãe de
Fire. Eu perguntei que nome dariam se fosse uma menina. O pai queria Estela e a
mãe queria Caroline. Quando ela fugiu com Fire, deu esse nome a ela. Nunca mais
vi o pai, mas acredito que tenha dado o nome de Estela para a outra.
Sorri.
Charlotte: Ele deu.
Scott se levantou e eu também. Cumprimentamos o doutor, e Scott
pediu desculpas.
Depois de uma longa despedida, saímos da casa. Paramos em frente
ao jardim.
Scott: Você vai atrás de Estela amanhã?
Charlotte: Provavelmente.
Scott: Então onde nos encontramos?
Eu já esperava por isso.
Charlotte: Quem disse que quero sua ajuda
agora?
Scott: Ah, então você sabe onde Estela está?
Encarei-o, curiosa.
Charlotte: Você sabe?
Ele olhou para o céu, e em seguida para mim novamente.
Scott: Acredito que sim.
Hesitei. Queria resolver isso sozinha, mas a ajuda de Scott estava
sendo extremamente útil.
Charlotte: Amanhã, no parque que fomos
hoje, às treze. Não se atrase.
Ele concordou.
Quando me virei para ir embora, ele segurou meu braço.
Scott: Sem um beijo de boa noite?
Sorri. Aproximei-me dele, que logo soltou meu braço, colocando
suas mãos em minha cintura.
Sussurrei em seu ouvido.
Charlotte: Exatamente.
Então, empurrei-o e em seguida o chutei. Não vi onde acertei, mas
percebi que havia causado muita dor.
Me afastei.
Charlotte: Boa noite, Scott.
Enquanto eu ria, pude escuta-lo me xingar.
No caminho, fiquei pensando nele. Scott apareceu do nada, sabendo
muito sobre mim, e queria minha ajuda para achar Cristopher. Com isso, ele me
ajudaria a achar Estela, como prova de que poderia confiar nele.
Até então, ele havia se mostrado um homem de bom caráter, mas eu
ainda desconfiava dele.
Talvez, fosse questão de tempo. Desde aquele dia com Cristopher,
eu nunca mais tive algum amigo, além de Alexander, que estava sempre ocupado.
A namorada do delegado, porém, era uma menina de idade aproximada,
com uma personalidade gentil e confiante. Ela me conhecia, mas Alexander havia
me proibido de sair com ela, dizendo que eu poderia acabar colocando-a em
problemas. No final, as únicas pessoas com quem eu realmente convivia, eram os
frequentadores do beco.
Eram quase duas horas quando eu cheguei na delegacia. Havia apenas
dois policiais, que me cumprimentaram quando apareci na porta.
Passei pelo corredor espelhado da sala de Alexander, e então
entrei no meu quarto.
A primeira coisa que fiz foi tirar as botas. Meus pés doíam, e
então notei que estavam cheios de bolhas.
Murmurei um pequeno palavrão.
No dia seguinte, acordei por volta das dez. Aos poucos, comecei a
me lembrar do dia anterior. Fora cansativo, porém revelador. Graças a Scott, o
caso de Estela seria resolvido facilmente. Então, lembrei do acordo.
Em troca da ajuda de Scott, começaríamos a trabalhar
juntos para achar Cristopher. Algo ainda me deixava inquieta em relação a isso.
Ainda não entedia no que eu seria útil, já que ele sabia tanto.
Me arrumei, vestindo um jeans velho e um par de tênis
confortáveis — os mesmos que eu usava
quando perseguia alguém — acompanhados de alguns
band-aids. Vesti uma regata branca e minha jaqueta preta. A manhã
estava um pouco quente, mas preferi não arriscar passar o resto do dia com
frio.
Abri uma das gavetas do pequeno armário ao lado de minha cama.
Ali, eu guardava algumas armas, como facas, canivetes e qualquer coisa que
cortasse ou causasse um bom dano físico nas pessoas.
Peguei uma das facas pequenas. Elas tinham o tamanho perfeito para
ficarem no bolso da jaqueta despercebidas, e ainda assim, causavam um grande
estrago. Com certeza, era uma das minhas preferidas.
Olhei os números do despertador que ficava em cima da cômoda, e
notei que apenas uma hora havia se passado. Deitei-me novamente e fiquei a
espera de Alexander para me chamar para almoçar, como fazia todos os
dias.
Normalmente, Alexander e eu almoçávamos numa lanchonete próxima,
ou ele trazia algo para mim e passava essa hora com a namorada. A mesma coisa
acontecia com o jantar.
Era meio-dia quando ele bateu na minha porta. Eu estava quase
cochilando.
Levantei-me rapidamente e a abri.
Alexander: Pronta?
Assenti.
Andamos até a lanchonete e nos sentamos. Era um lugar pequeno, e o
dono ao nos ver, trouxe o nosso prato de sempre: dois hambúrgueres
completos.
O dono era um homem quase aposentado, que gostava do que fazia.
Conhecia Alexander desde que ele havia conseguido o cargo de delegado.
Enquanto comíamos, Alexander tentava puxar assunto.
Alexander: Quem vai perseguir hoje?
Charlotte: Ninguém. Vou atrás de Estela.
Eu estava falando a verdade. Mas por algum motivo, ele ficou
desconfiado.
Alexander: E o que mais?
Charlotte: Nada. Por que teria um
"mais"?
Ele me encarou de maneira séria.
Alexander: Não virei delegado brincando,
Charlotte. Você está escondendo algo.
Enquanto mastigava, fiz um sinal negativo com a cabeça.
Charlotte: Façamos o seguinte: quando eu
terminar, você descobrirá.
Ele suspirou.
Alexander: Não gosto de surpresas...
Charlotte: Talvez essa seja boa! Se anime!
Ele me ignorou e voltou a comer.
Faltavam quinze minutos para eu encontrar Scott, quando Alexander
recebeu uma ligação. Após termina-la e dizer que precisava voltar para a
delegacia, ele se despediu e seguiu em direção ao trabalho. Resolvi fazer o
mesmo, então fui andando depressa até o parque.
Enquanto me dirigia até o lugar onde havíamos ficado na
noite anterior, vi Scott se aproximando. Ele vinha da direção oposta.
Scott: Você é bem pontual.
Charlotte: Parece que posso dizer o mesmo
de você.
Ele sorriu, mas logo ficou sério.
Scott: O que você sabe sobre o sequestrador de Estela?
Charlotte: Sei que ele está morto. E que
foi assassinado por Cristopher.
Scott: Ótimo, então não preciso explicar nada. Vamos?
Acompanhando seus passos, fomos em direção à saída do parque, que
foi pela qual eu havia entrado.
Então, diferente da nossa ultima caminhada, nós tentamos puxar
assunto. Começamos por um "qual a sua idade?" — ele também tinha 23, mas era alguns meses mais
velho — e acabamos quando, ao esperar o sinal para pedestres ser aberto,
ele colocou um de seus braços em volta do meu ombro e começou a mexer na minha
jaqueta.
Charlotte: O
que diabos está fazendo?
Ele respondeu pausadamente, prolongando a ação.
Scott: Nada...
importante...
Notei que ele tentava observar além do decote da
minha regata.
Charlotte: Scott,
você gosta desse braço?
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, e
então, num sussurro, fez uma pergunta.
Scott: Você
veio armada?
Fiz um movimento positivo com a cabeça, e logo
ele largou minha jaqueta, colocando suas mãos no bolso da calça jeans escura,
como se nada tivesse acontecido.
Segurei o riso, mas ainda assim ele notou meu
divertimento com sua reação.
O sinal logo ficou verde, e então andamos até um
prédio abandonado. Paramos em frente a ele.
Charlotte: Eu
acredito que haja gangues aqui... Mas... Scott, ele era um profissional.
Scott: Exatamente,
e por isso seu "escritório" é de baixo desse prédio.
Andamos até os fundos do prédio, e então Scott
pegou um pedaço de madeira jogado num canto.
Com agilidade, ele logo tirou do meio da terra
uma corda. Ele a puxou, e então uma porta se revelou, disfarçada com blocos de
grama sob ela.
Charlotte: Como
você descobriu isso?
Scott: Ajudei
Fire numa entrega aqui.
Ele fez sinal para que eu entrasse, e então
obedeci.
A escada era semelhante a do beco, porém, mais
curta.
Scott veio logo em seguida, e então fechou a
porta. Logo, comecei a sentir o calor do lugar. Tirei a jaqueta e a amarrei na
cintura. Scott assobiou. Eu ia xinga-lo, mas antes que eu pudesse me
manifestar, ele fez um sinal para falarmos baixo.
Ele foi na frente, me guiando pelo lugar.
Era realmente grande, e quando escutávamos sons
de passos, nos escondíamos entre os corredores.
Depois de andarmos muito, encontramos uma parede
com uma única entrada. Não havia porta, ou alguém vigiando. Era apenas uma
parede, com um "x" de cada lado da entrada, pintados da cor vermelha.
Scott: Fique
atenta.
Scott retirou o revolver das costas, e eu peguei
minha faca.
Passamos pela entrada, e então vi vários
corredores com a mesma pintura. Enquanto andávamos, pude notar que havia um
tipo de sequência: um corredor, uma sala, um corredor. Todas as salas tinham
portas velhas.
Andamos entre corredores, cada um de um lado. De
algumas salas, podíamos ouvir gritarias, até mesmo choros.
Após o ultimo corredor, não havia nada além de um
grande espaço vazio. Um pouco mais pra frente então, havia uma pequena sala.
Esta era diferente. Ao contrário das outras salas
que eram uma na frente da outra, esta era a única, e começava do meio. Sua
porta também era diferente. Não era velha, mas também não era nova. Era
vermelha, no mesmo tom das marcas nas paredes.
Scott e eu fomos em direção a porta, cada um de
um lado. Esperamos um pouco, tentando ouvir algum som.
Depois de uns cinco minutos, Scott fez sinal para
entrarmos e concordei. Ele ia chutar a porta, quando eu o impedi.
Apontei para a maçaneta e mostrei que não havia
lugar para porta alguma chave. Só precisava empurrar. Demonstrei, e então
entramos.
Scott entrou apontando a arma, e eu fiquei mais
atrás.
O lugar era pequeno e escuro. A única iluminação
era a luz que vinha da porta aberta.
Em meio à escuridão, pude notar uma cama de casal
bagunçada, e em cima dela, uma menina enrolada num lençol.
Ela chorava muito, e ficou extremamente assustada
com a nossa entrada.
Em meio a soluços, implorou.
Menina: Por
favor... De novo não... Por favor...