quarta-feira, 22 de julho de 2015

Suspect - Capítulo 13: Meus pêsames

13. Olhe sempre para todos os lados. E isso inclui cima, baixo e diagonais.

Me levantei. Dessa vez eu iria embora, sem distrações.
A porta da varanda permanecia aberta. Passei por ela tentando ser o mais silenciosa possível. Não sabia que horas eram e, caso Scott estivesse dormindo, não queria acorda-lo. No entanto, quando entrei no cômodo, notei a cama arrumada e sem sinais de qualquer pessoa no quarto.
Avistei uma porta de madeira comum, aberta. Aquela era a saída. Estava me direcionando a ela quando Scott saiu de outra porta — que supus ser o banheiro ou algum tipo de closet — e sorriu ao me ver. 
Scott: Finalmente você acordou.
Direcionei meu olhar para o relógio do criado mudo, que marcava oito horas, para tentar não encara-lo.
Scott vestia uma calça social e uma camisa (também social) escura, completamente aberta, deixando amostra seu peitoral bem definido. Parecia quase impossível ele não ter conseguido me acompanhar na corrida do dia anterior. Exceto por, é claro, se ele já tivesse corrido ou feito algo do tipo antes. Perguntas se formaram na minha mente, mas não era da minha conta, então as ignorei.
Infelizmente, Scott notou o motivo de meu distraído silêncio.
Se dirigindo a um espelho que até então eu não havia notado, ao lado da porta de que saíra, ele começou a abotoar a camisa. Podia ver seu sorriso — uma mistura de malícia com satisfação —, enquanto terminava de se arrumar.
Charlotte: Eu vou voltar pra delegacia. 
Ele se virou, agora devidamente vestido.
Scott: Tudo bem. Temos um almoço marcado hoje com Oliver e Adam. 
Encarei-o, interrogativa. Não me lembrava de ter marcado algo, ou melhor, de ter pedido para que ele marcasse algo.
Charlotte: Nós temos? Você já parou para pensar que eu poderia ter outros planos para hoje?
Ele caminhou em direção à porta que levava a saída do quarto.
Scott: Se você realmente tivesse algum plano, teria ido direto ao ponto.
Xinguei mentalmente.
Eu não estava brava por ter um almoço marcado, mas sim por Scott ter feito isso sem me consultar. Não queria que ele interferisse na minha agenda assim, e esperava que essa fosse a primeira e última vez que fizesse algo do tipo.
Passei pela porta e segui por um corredor até chegar a um lance de escadas em espiral. Ainda havia um terceiro andar, mas não seria dessa vez que eu conheceria o lugar.
Desci as escadas e me impressionei não só com a organização e a decoração, como também com o tamanho do lugar. Era maior do que muitas casas em que eu já havia entrado. 
Claramente, os móveis eram todos feitos sob medida. Tinham um design moderno e pareciam combinar com o estilo de Scott.
Ele foi na frente, me direcionando até a porta de saída. Digitando uma senha num tipo de interfone na parede, Scott abriu a porta.
Scott: Queria poder leva-la, mas ainda tenho coisas para fazer nessa manhã. 
Scott se ofereceu para pagar um táxi, mas neguei, dizendo que queria caminhar um pouco.
Ele tentou se aproximar para um beijo, mas eu desviei, passando direto pela porta.
Encostado no limiar da porta, ele me observou ir até o portão, que também estava aberto. A casa era rodeada por muros altos de pedra. Scott deveria se esforçar para ter uma segurança máxima depois do que acontecera com seus pais.
Na metade do caminho me virei em direção a Scott.
Charlotte: Obrigada. Por tudo.
Não sei se soou sincero o suficiente, mas torci para que ele acreditasse.
Voltei meu caminho para a saída da casa, e assim que cruzei o portão, ele foi automaticamente fechado.
A casa de Scott ficava no fim da rua, literalmente no centro, deixando aquele caminho sem saída. 
Era uma rua silenciosa, sem movimento, e todas as casas eram grandes e com aparência rica. Ainda assim, a de Scott era a maior.
Olhando para trás, era possível ver a partir do segundo andar. Os muros altos de pedra isolavam a casa de todo o resto.
Ao virar na primeira esquina, no entanto, a realidade era bem diferente daquela rua. Carros passavam em alta velocidade, a maioria se dirigindo ao centro da cidade, o foco do comércio e das grandes empresas. 
A delegacia ficava no caminho do centro, na última esquina, uma rua mais calma se comparada com a principal. Se meus cálculos estivessem certos, a delegacia deveria ficar a aproximadamente 40 minutos de onde eu estava.
Caminhei enquanto muitos pensamentos gritavam em minha mente ao mesmo tempo. No entanto, um se destacava, de forma que meus esforços para ignora-lo estavam sendo em vão.
À tarde anterior no parque, após o encontro com Wilson. 
Uma parte de mim dizia para aceitar o ocorrido. Que eu havia gostado. Não fora algo forçado e teria sido romântico se eu não tivesse sido baleada. 
A outra parte, no entanto, dizia que aquilo havia sido errado. Dizia que eu estava cansada, frágil e que Scott apenas tirara proveito da situação. 
Sinceramente, queria acreditar na minha segunda parte, mesmo que a primeira estivesse sendo tão persistente que eu estava começando a duvidar dos meus próprios sentimentos.
Não. Eu não podia me dar o luxo de sentir algo por alguém. Eu era uma assassina e não podia mais voltar atrás nisso. Mesmo que resolvesse largar tudo agora para seguir uma carreira que a lei permitisse, um dia meu passado ressurgiria e eu e qualquer um que estivesse comigo sofreria as consequências, quaisquer que fossem elas. Eu precisava ficar sozinha.
Pelo resto do caminho pensei em como contaria a Adam que sua neta havia sido assassinada. Se Oliver o encontrasse antes de mim e Scott, haveria a possibilidade de ele acabar sabendo antes do planejado, o que poderia afetar o rumo que a conversa levaria. 
Passei a mão no local com os curativos. Doía ao toque, mas tinha certeza de que até o fim do dia mal sentiria algo ali.
Cheguei à delegacia poucos minutos antes do relógio marcar exatas nove horas. Caminhei até a sala de Alexander e torci para não encontra-lo até depois do almoço. Sabia que ele falaria algo por eu ter sumido sem avisar. Um sermão bem longo.
Era interessante como Alexander se preocupava com minhas saídas e horários. Tinha a impressão que ele temia que eu não voltasse, mesmo achando que essa seria uma solução para vários de seus problemas.
Quando abri a porta, encontrei-o no corredor espelhado, saindo de sua sala.
Alexander: Charlotte!
Fechei a porta, suspirando. 
Alexander: Onde diabos você se meteu? Você acha que pode voltar a hora que quiser para cá? Já parou para pensar que quando tivermos novos policiais que não a conhecem aqui, não vão deixar você entrar? Você...
Em menos de um minuto, Alexander conseguiu me fazer perder a paciência. Ele era bom nisso. Tinha anos de prática.
Ainda parada em sua frente, encarei-o de maneira firme, mas com uma expressão irritada. Resolvi interromper.
Charlotte: Cale a boca.
Durante todos os anos em que convivi com Alexander, brigamos muito. Houve apenas duas ou três vezes em que ele notou meu humor pelas expressões e optou por se calar. Nas outras, ele ignorava e continuava o discurso por longos minutos.
Entrei no meu quarto e fechei a porta. Naquele momento eu só queria um banho e relaxar um pouco.
Não vou negar que odiava o fato de morar na delegacia, mas aquela era minha casa e de certa forma, eu me sentia bem naquele pequeno espaço que era meu quarto. O tempo me obrigara a sentir isso.
Alexander me dera algumas horas para que eu pudesse me organizar e relaxar, de forma que, depois de pronta, não sai mais de meu quarto até o relógio marcar dez para o meio dia.
Finalmente resolvi sair dali e ir para o meu almoço marcado contra a minha vontade. 
Sai da delegacia e por sorte não encontrei Alexander. Nesse momento, percebi que não havia combinado um ponto de encontro com Scott ou sequer havia perguntado aonde iríamos. 
Suspirando, caminhei pela rua até chegar numa das esquinas. Tinha certeza de que Scott apareceria de alguma maneira inusitada.
Andando lentamente até a esquina oposta, substitui meus pensamentos sobre Scott por outros mais importantes, por exemplo, como iríamos falar que uma das crianças estava morta. 
Chegando até a placa com indicação das ruas, olhei para os dois lados. Na rua seguinte, parado em frente a uma lanchonete, Scott estava encostado no que supus ser o seu carro, de óculos escuros e lendo uma revista. 
Fui até o carro. Ele me avistou antes que eu chegasse ao automóvel e andou até a porta do passageiro. Abriu-a quando me aproximei.
Scott: Madame.
Seu sorriso de satisfação me irritava, assim como aquela situação. Xinguei-o, mas ele não deu sinais de ter sido abalado.
Scott entrou no carro, mas hesitou em liga-lo. Ele me encarou.
Scott: Como você pretende contar?
Charlotte: Contar o quê?
Desviei o olhar para a visão da janela ao meu lado. Eu não possuía argumento algum para fazer Scott contar a Adam, afinal, ele era o meu cliente.
Mesmo que eu cometesse assassinatos várias vezes durante a semana, mortes de inocentes ainda me chocavam. Principalmente de crianças. E mesmo com minha regra pessoal de "não ter sentimentos no trabalho", situações como essa eram sempre complicadas. Qualquer erro poderia causar uma reação exagerada do cliente e minha profissão poderia ser revelada.
Scott pousou sua mão em cima da minha.
Scott: Vai ficar tudo bem, certo?
Direcionei minha visão para aquela posição e permaneci calada por alguns segundos, até resolver tomar uma atitude.
Charlotte: Não me toque.
Scott retirou sua mão e ligou o carro.
Scott: Você não disse isso ontem.
Naquele momento, tive uma visão de como seria agredi-lo ali mesmo. Seria realmente prazeroso. 
Charlotte: Aquilo significou algo pra você? 
Scott: Você quer que tenha algum significado?
Aquela pergunta me pegou. Parecia que era a questão chave para os pensamentos que estavam me incomodando desde que eu começara a pensar no assunto. Mas não podia refletir sobre aquilo agora.
Me virei para encara-lo.
Charlotte: Não vejo motivo para ter algum. Até porque eu estava totalmente vulnerável e...
O sinal passou para vermelho e Scott aproveitou para me encarar.
Scott: E foi assim que você acabou na minha cama.
Seus olhos brilhavam de diversão.
Charlotte: Por que você faz isso soar errado?
Scott: É você que está interpretando da maneira errada. Talvez seja algum... Desejo?
Charlotte: Desejo? Meu único desejo com você envolve nosso trabalho.
Scott: Ah, parece que você gostou de trabalhar em equipe. Não acho isso tão romântico, mas podemos dar um jeito.
Suspirei. Eu estava pensando em algo para dizer contra a ideia de Scott, mas meus pensamentos foram interrompidos ao avistar, no porta copos do motorista, uma seringa com um líquido pronto para ser injetado a qualquer momento. Quetamina. 
Quetamina era um tipo de anestésico, muito usado em processos cirúrgicos. Obviamente, também era misturada com outras drogas para ajudar no efeito das mesmas, principalmente na forma de pó. O líquido, em certas quantidades, podia fazer com que uma pessoa apagasse por horas.
Meus olhos se fixaram naquilo e permaneci em silêncio. O único pensamento em minha mente era "por que ele está com isso preparado agora?".
Scott se virou para me encarar novamente e dirigiu o olhar para o mesmo lugar que eu, então o encarei furiosa. 
Scott: Qual o problema?
Ele pareceu levar alguns segundos para entender o motivo da minha expressão.
Scott: Você não acha mesmo que eu vou usar isso em você, acha?
Continuei em silêncio. Por apenas alguns minutos, qualquer humor ali existente havia sumido. Mas, obviamente, esses minutos foram poucos.
Scott: Não é como se eu realmente fosse precisar usar algo do tipo com você.
Charlotte: Você é confiante demais.
Ele sorriu. 
Ficamos calados pelo resto do caminho. Mesmo com a negação de Scott sobre o uso da quetamina, fiquei atenta a todos os seus movimentos. 
O restaurante onde iríamos almoçar ficava pelo menos uma hora da delegacia a pé. Por um momento, comemorei mentalmente o fato de estar usando tênis.
Entramos no local e avistamos Adam e Oliver sentados numa mesa ao lado da janela com vista para um parque onde crianças corriam. 
Os dois estavam sentados lado a lado e conversavam amigavelmente. Ninguém poderia imaginar que há pouco tempo haviam contratado assassinos para matarem um ao outro. 
Tinha expectativas de que Oliver já houvesse contado a Adam sobre a neta, mas o olhar ansioso dirigido a mim e a Scott fez com que eu logo percebesse que provavelmente nem sequer tivessem tocado no assunto. 
Nos sentamos e, após os cumprimentos, conversamos um pouco sobre vários assuntos ao mesmo tempo. Adam e Scott pareciam conversar sobre o bairro, enquanto Oliver me contava o quanto sua neta falou de mim e Scott após termos salvado-a. Algo na maneira em como ele se referia a nós dois fazia com que eu me perguntasse sobre qual tipo de relação aquele senhor achava que eu e Scott tínhamos.
Scott me ajudou a adiar o máximo possível minha revelação para Adam pedindo vários pratos e abordando vários assuntos que pareciam atrair o velho, mas, depois de algum tempo, quanto mais demorávamos, mais quieto ele ficava, de forma que, em certo momento, só percebemos que Adam não prestava mais atenção no assunto quando todos na mesa ficaram em silêncio e Oliver, ao fazer uma pergunta ao amigo, recebeu uma resposta em forma de um sussurro incompreensível.
Foi assim que percebi que havia chego a hora.
O silêncio constrangedor na mesa durou alguns segundos. Passei a encarar meu copo, pensando com que palavras diria a Adam.
Oliver, se levantando, convidou Scott para ir até o parque em frente ao restaurante. Sem dizer uma palavra sequer, ambos se retiraram do local deixando apenas eu e meu cliente na mesa.
Dirigi meu olhar a Adam e percebi que ele tentava evitar me encarar. Uma de suas mãos brincava com um palito de dente sob a mesa. Segurei-a, num gesto de compaixão, e seus olhos se encheram de lágrimas.
Charlotte: Adam...
Adam: Apenas me diga... Como? 
Seus olhos estavam fechados fortemente e ele tentava a todo custo evitar as lágrimas.
Contei tudo a ele. Desde Santiago até encontrarmos a neta de Oliver. Também disse que o corpo da menina permaneceu no local, pois não tínhamos como retira-lo de lá naquele momento.
Adam desabou em lágrimas.
Para aqueles que sabiam de toda a história era uma cena triste de assistir. Enquanto esperava Adam se acalmar, percebi que durante meu treinamento aprendi a ser indiferente e a evitar sentimentos como tristeza, algo que uma pessoa "normal" sentiria ao ver algo como Adam naquele estado. Cheguei à conclusão que se eu conseguisse sentir algo naquele momento, seria apenas culpa por não ter ficado triste, mas logo percebi que também não havia motivos para isso. 
Aquilo estava começando a ficar desconfortável e eu começava a me perguntar o porquê de ainda estar ali, afinal, eu já havia feito a minha parte. Mas Adam parecia estar se recompondo aos poucos.
Ficamos em silêncio por pelo menos meia hora. Em algum momento, olhei pela janela e pude avistar Scott e Oliver sentados num banco ao lado de uma árvore, conversando animadamente.
O celular de Adam tocou. Ao olhar o número ele suspirou e atendeu, mas permaneceu em silêncio. Pude ouvir gritos e uma mulher chorando e logo tive uma ideia de quem seria. 
Adam se levantou de repente, visivelmente furioso. Permaneceu em pé em frente à mesa enquanto terminava de ouvir algo e então apenas disse "eu estou indo". Antes que ele pudesse sair de fato da nossa mesa, me levantei, bloqueando sua passagem e perguntando o que havia acontecido. Scott e Oliver chegaram no mesmo momento.
Adam olhou para todos nós e seus olhos voltaram a lacrimejar. Oliver passou por mim e guiou o amigo até seu lugar na mesa e todos nós nos sentamos novamente.
Após respirar fundo algumas vezes para tentar conter as lágrimas, ele finalmente falou.
Adam: Jogaram o corpo dela na frente da casa da minha filha.
O idoso voltou a chorar e Oliver o abraçou. Adam xingava o velho amigo e assassino com diversas palavras e termos diferentes, de forma que pude ampliar meu vocabulário. 
Quando seu amigo finalmente o soltou, Adam lançou um olhar cheio de ideias para mim e Scott.
Adam: Vocês. Vocês dois. Vocês podem mata-lo, não podem? Isso seria justo. Isso seria magnífico!
O sorriso que surgiu em seu rosto enquanto dizia sua vontade era, no mínimo, assustador.
Oliver: Adam, você não acha isso loucura? Podemos entrega-lo a polícia e...
Os olhos de Adam estavam arregalados, como um louco.
Adam: E o que? Você acha que a polícia vai fazer algo justo? ELE MATOU A MINHA NETA!
As pessoas das mesas próximas lançaram olhares cheios de expressões para nós. 
Oliver falava baixo, tentando acalmar o amigo para que ele não falasse demais, mas não estava tendo muito resultado.
Adam: Vocês podem fazer isso. Eu pago o quanto vocês quiserem, apenas vinguem a morte dela.
Adam voltara a chorar. 
No relógio de parede do restaurante, vi que já eram duas horas da tarde. O tempo havia passado rápido e eu precisava controlar. Naquela noite eu teria um trabalho.
Scott pedira algumas sobremesas para nós e no final Adam fora o único que não comera.
Oliver tentara puxar assuntos diversos para distrair o colega pelo menos por algum tempo.
Adam, que permaneceu quieto durante toda a conversa, se levantou e disse que iria até o parque.
Oliver: Eu vou com você.
Adam: Não, eu... Só vou pensar.
Ele murmurou algumas vezes para si mesmo as palavras "é" e "pensar" e então saiu. Estava realmente atordoado.
Após sua saída, ficamos em silêncio até conseguirmos avistar Adam no parque. Ele se sentara no mesmo lugar em que Oliver e Scott estiveram.
Oliver então começou a puxar assunto.
Oliver: Vocês sempre trabalharam juntos?
Essa foi a primeira de muitas outras perguntas do tipo e Scott respondera todas. Algumas vezes fui obrigada a abrir a boca para desmentir alguns fatos. Isso é, todas as vezes.
Quando Adam voltou, já era fim de tarde. O único pensamento em minha cabeça era o de que meu dia havia sido perdido.
Ele permaneceu em pé enquanto conversava com Oliver e ficou claro que ele estava melhor do que antes.
Após alguns minutos, decidimos que era hora de encerrar nosso encontro. Scott pagou a conta e a dupla de amigos se despediu de nós. 
Estávamos na frente do restaurante quando Scott perguntou se eu queria dar uma volta.
Charlotte: Eu tenho um trabalho.
Talvez eu tenha sido um tanto mais fria do que queria, pois Scott respondeu apenas com um "ah".
Entramos no carro e a primeira coisa de que me lembrei foi da quetamina, mas dessa vez não senti necessidade de ficar atenta a Scott. 
Apenas na metade do trajeto até a delegacia Scott resolveu puxar assunto.
Scott: Já conseguiu alguma pista de Cristopher?
Neguei.
Charlotte: Eu pretendia ver isso nessa tarde.
Não houve mais conversa até chegarmos à delegacia, provavelmente porque nós dois estávamos cansados.
Scott me deixou na frente do local. Dei um breve "tchau" e sai do carro. 
Antes que eu me aproximasse muito da entrada, ele abriu a janela e me chamou.
Scott: Se você se sentir solitária mais tarde, você é sempre bem vinda.
Fingindo que não ouvira nada, me virei e fui logo em direção ao meu quarto.
Eram sete horas e meu trabalho era as dez. Dessa vez eu seria Denise, uma prostituta, e meu cliente era um rico empresário e pedófilo. 
Levara meses até que eu conseguisse finalmente descobrir o seu segredo. 
Basicamente, ele obrigava os funcionários de sua casa a levarem seus filhos para o trabalho. Enquanto o pai ou a mãe trabalhavam, o empresário dava um "passeio" com a criança. 
Todos sabiam o que acontecia, mas ninguém se atrevia a contestar, pois sabiam que o que viria depois seria pior. Consegui descobrir que um dos funcionários pedira ajuda da polícia havia alguns anos, mas o empresário conseguira subornar toda a equipe que estava cuidando do caso e o funcionário acabara sumindo de repente.
Enquanto penteava uma peruca loira pensei em Cristopher. Era quase surreal pensar que depois de seis anos eu finalmente estava tendo pistas. Mas eu não poderia levar o crédito, afinal, a pista veio de Scott.
A tarde no restaurante me veio a cabeça. Oliver olhava estranhamente para mim e Scott, como se tivesse expectativas. Mas expectativas de que?
Eu já não odiava Scott, mas ainda não me sentia segura em confiar nele. Algo me impedia disso, eu só não sabia o que.

Terminei com a peruca e comecei a me vestir. Naquela noite eu ajudaria algumas pessoas.

domingo, 5 de abril de 2015

Suspect - Capítulo 12: Tiros e dias chuvosos

12. Esteja atento em relação as suas companhias

A chuva variava entre “dilúvio” e “quase imperceptível”. Scott se afastou um pouco, de forma que pudesse me encarar mais facilmente. Acidentalmente, ele tocou meu braço e então pude sentir a dor novamente. Uma terrível dor. Ele notou minha expressão e logo pegou o guarda-chuva.
Scott: Temos que cuidar disso.
Queria dizer “não, está tudo bem”, mas eu sabia que não estava. Me levantei, ficando agachada a espera de Scott passar pela frágil ponte que nos levou até onde estávamos. Conforme andava, eu ficava tonta e podia notar minha visão escurecendo. Era incrivelmente assustador o que a dor podia fazer conosco. 
Desci a pequena escada rapidamente, com medo de desmaiar ali naquele brinquedo. Quando finalmente toquei o solo, minhas pernas fraquejaram. Scott me segurou pela cintura — ato que, em outras circunstancias, eu teria ameaçado arrancar-lhe o braço — e me esforcei para permanecer em pé. 
O vento estava forte e minha visão permanecia escurecida, mas tentei permanecer firme. Scott segurava o guarda-chuva com uma das mãos, de forma que tentasse proteger nós dois, enquanto a outra servia de apoio para mim. 
Tentei apressar um pouco o passo, mesmo que minhas condições não permitissem. Scott tentava me fazer desacelerar, usando o mesmo argumento. Andamos algumas quadras até chegar num hospital. 
Comecei a me sentir mais fraca e pude notar que minha visão também estava mais escura do que antes. Scott me fez sentar numa das cadeiras de espera, enquanto ia até o balcão.
Pelo o que eu ainda podia enxergar o lugar não estava extremamente lotado. Eu podia ouvir as vozes das pessoas que conversavam, mas soavam distantes demais para eu poder entender qualquer palavra.
Meu corpo estava quente e logo percebi que eu estava com febre. 
Notei Scott se aproximando junto com uma enfermeira. Não entendi muito bem o que disseram, mas pelos gestos entendi que deveria levantar e provavelmente seguir alguém.
Ao me levantar, senti meus joelhos se dobrando e meus olhos involuntariamente se fecharam.
Acordei numa cama de casal, num lugar que eu tinha certeza que nunca estivera. Olhei ao redor. Uma porta de vidro que levava a uma varanda estava aberta e pude notar que já era noite. A luz noturna clareava o suficiente o quarto para que eu pudesse identificar alguns armários e outros móveis comuns em meio às sombras. Permaneci deitada e imóvel, tentando lembrar de como havia parado ali. Lembrei da minha missão em achar o velho com as crianças, da briga com ele e com o assassino, de ter levado um tiro. Outras memórias, como ter entregado a criança viva, ter ido até o parque e ter sido seguida por Scott também vieram à tona, mas preferi ignorar naquele momento. 
Consegui lembrar de ter ido até o hospital, com dificuldade por causa da dor. Foi no momento em que eu seria atendida que desmaiei. 
Me esforcei para sentar na cama. Meu braço doeu ao fazer força, mas com certeza não tanto quanto antes. 
Olhei ao redor mas a escuridão ainda me impedia de achar uma saída. Pelo o que eu enxergava da sacada, o quarto deveria ficar no segundo andar de algum lugar. 
Comecei a afastar as cobertas, preparando-me para levantar. Fiquei paralisada ao ouvir uma voz, que logo reconheci. E eu queria mata-lo. 
Scott: Você não devia fazer esforço. Permaneça deitada e descanse.
Me virei, tentando achar o dono da voz. Ele surgiu de um canto não iluminado do quarto. Continuava com sua calça e camisa social, porém, com certeza havia tomado um banho, enquanto eu pretendia evitar espelhos até chegar na delegacia.
Charlotte: Me diga que não estou onde acho que estou.
Ainda não tinha uma visão de seu rosto o suficiente para ver claramente qualquer expressão, mas tinha certeza que ele estava sorrindo.
Me levantei, decidida a ir embora.
Charlotte: Como eu saio daqui?
Estávamos agora frente a frente.
Scott: Você vai mesmo embora agora? Uma dama não devia sair por ai a essas horas.
Ele indicou o relógio num criado mudo. Três horas em ponto.
Charlotte: Uma dama também não deveria levar tiros, mas veja só. 
Eu podia notar o divertimento em seus olhos, e aquilo definitivamente não me agradava.
Scott: Você não quer saber como chegou aqui? Tenho certeza que gostará da história.
Graças a esse argumento, tinha certeza que odiaria, mas algo me dizia que eu devia saber.
Charlotte: O que você fez?
Ele começou a caminhar até a varanda.
Scott: Depois que você desmaiou, a levaram para a ala de emergência. Cuidaram do ferimento. Não foi tão profundo, mas deixará cicatriz, você sabe. No entanto, disseram que há alguns tratamentos que você pode fazer para não deixar uma marca tão evidente.
Ele se virou.
Scott: Mas isso não é importante agora. Depois disso, você continuou desacordada, mas algo me dizia que você logo despertaria. Os médicos também não ficaram felizes com a ideia de deixar uma paciente ocupando uma maca sendo que provavelmente não precisava dela. Então começaram a procurar desculpas para manda-la embora. Nesse tempo de distração que nos deixaram a sós, achei uma dose de morfina e a apliquei escondido. Quando voltaram, eles...
Scott não pôde terminar, pois nesse momento eu o agarrei pela camisa, fazendo um dos botões arrebentarem. Forcei-o contra o parapeito da varanda. Eu estava mais do que irritada, eu estava furiosa. Ele realmente havia me drogado.
Charlotte: Não acredito que você foi idiota o suficiente de fazer isso.
Meu tom de voz era baixo e ameaçador, mesmo que eu quisesse gritar.
Ele segurou meus pulsos, rapidamente tomando o controle e invertendo as posições. 
Scott: Sinceramente? Não, eu não fiz isso. Mas eu precisava de um motivo para fazer você me agarrar...
Um sorriso malicioso combinava com o divertimento em seus olhos, mas a única coisa que eu queria naquele momento era sair dali.
Ao notar que eu não cederia tão facilmente, Scott soltou meus pulsos e permitiu que eu me afastasse, deixando uma distancia adequada entre nós. Ele terminou por contar o final verdadeiro da história.
Scott: Enquanto eles procuravam um motivo para manda-la embora, inventei uma história dizendo que éramos um casal e morávamos juntos. Disse que você era uma trabalhadora esforçada e descansava pouco. Falei que fomos assaltados e foi assim que você levou o tiro, e então a levei para o hospital. Decidiram que você estava desacordada por causa de uma leve exaustão e receitaram apenas um bom descanso. Qualquer outro problema, disseram apenas para fazer exames.
Suspirei, aliviada.
Ficamos algum tempo em silencio e Scott disse que pegaria algo para nós bebermos, mesmo eu dizendo para não perder tempo, pois não confiaria em nada que ele trouxesse. Sua resposta, no entanto, não foi satisfatória.
Scott: Tem alguma ideia melhor para fazermos nesta noite, visto que você insiste em não obedecer às ordens médicas?
Eu queria responder "sim, ir embora.". Queria dizer que as tais ordens médicas eram falsas, que ele inventara uma história para darem essa resposta, mas Scott parecia saber o que eu pensava e, por algum motivo parecia estar preocupado com o meu estado. 
Sem dar tempo para uma resposta, ele sumiu na escuridão do quarto.
Me apoiei no parapeito. A varanda era extensa e bem decorada. Mesmo tendo apenas a vista das casas vizinhas, deveria ser muito confortável passar o dia ali. Scott teve sorte ao nascer numa família rica.
Encarei o céu, observando as poucas estrelas visíveis. Um vento gelado soprava levemente, fazendo minha pele arrepiar graças a minha regata branca, que provavelmente estava gasta depois de toda a aventura do dia anterior.
Não ouvi a chegada de Scott, e só notei sua presença quando ele estendeu uma xícara para mim. Chocolate quente. O aroma era irresistível, mas optei por não beber nem um gole. Mesmo com os recentes acontecimentos, não confiava em Scott, principalmente depois de sua pequena brincadeira.
Ele se apoiou ao parapeito e ficou ao meu lado, observando o céu. 
Scott: Meus pais morreram aqui, nessa casa.
Lembrei da noite em que conversamos sobre nossas vidas. Foi logo depois de salvarmos Estela. 
Scott me contara que todos os parentes haviam morrido, mas nunca falara como. Quando tentei falar mais sobre o assunto ele pareceu ter más lembranças e optei por não insistir.
Scott: Eu tinha treze anos na época. Nós estávamos no andar debaixo, juntos, assistindo filmes. Nós costumávamos ficar juntos, mas na maioria das vezes algo acontecia e tínhamos que interromper. Por isso, meu pai resolveu que uma vez por mês todos nós abandonaríamos quaisquer que fosse nossos compromissos e ficaríamos juntos, como uma família de verdade.
Ele fez uma pausa. Me perguntava o porquê de ele estar falando aquilo e se não se sentia incomodado como na outra vez.
Scott: Naquela noite... Alguém atirou. Mirava nos meus pais, mas errou por pouco, acertando a televisão. Seguido disso, vieram outros tiros. Muitos tiros, de todos os lados. Meu pai disse para que eu e minha mãe fossemos para o terceiro andar, mas não adiantou muita coisa. Entramos agachados no elevador e pensamos que ficaríamos seguros. Bom, eu pensei. Minha mãe estava apavorada. Assim que a porta abriu, um tiro acertou o peito dela e ela caiu. Um segundo tiro acertou sua cabeça e ali eu tive certeza que ela estava morta. Mesmo assim, eu tentei ressuscita-la. Tentei tudo o que eu sabia, que havia visto. Quando me dei conta, o som dos tiros havia cessado. Dessa vez, corri pelas escadas até onde meu pai havia ficado.
Por um momento, vi seus olhos se encherem de lágrimas. 
Scott: Ele havia levado muitos tiros, mas ainda estava vivo quando me aproximei. Ele morreu na minha frente, assim como minha mãe. A polícia chegou logo em seguida, e meus avós os acompanhavam. Perguntaram se eu estava bem e só então percebi que eu também havia sido acertado, no braço esquerdo. Foi assim que fui morar com meus avós.
Continuávamos a olhar o céu, as casas.
Charlotte: Sinto muito.
Queria poder dizer algo além disso, ter uma história para contar. Mas ele já sabia de tudo.
Depois de algum tempo, ele voltou a se manifestar, mas dessa vez com um assunto mais importante.
Scott: Hoje eu tive um sinal de Cristopher.
Encarei-o, mas seu olhar continuava voltado para o céu. 
Scott: Parece que ele não tem um lugar fixo para ficar. Ele está sempre em movimento. Esteve na cidade há dois dias e matou o líder de uma máfia e seu filho, que seria o sucessor. 
Charlotte: Isso não vai ter um bom resultado. Conseguiu algum nome?
Scott: Somente o de disfarce: Davi Klein. 
Suspirei. Talvez não fosse tão difícil obter alguma outra informação agora. Poderia procurar no beco. Com sorte, alguém teria ouvido falar nele. Ou nos mafiosos mortos. Qualquer coisa seria útil.
Scott: Vou tentar consultar outras fontes. Talvez consigamos achar algo do passado dele ou de seu personagem que possa nos ajudar agora. 
Charlotte: Vou procurar no beco se alguém já ouviu falar nesse nome ou nos mafiosos. Talvez ele tenha deixado algo que nos sirva como pista.
Ele concordou e ficamos mais algum tempo em silencio. Minha xícara permanecia intacta.
Scott: Está tarde. Acho que vou me deitar. Se você...
Pela sua expressão, percebi como terminaria aquela frase. Nenhuma história de fim trágico ou alguma missão importante o impediria de lançar o seu charme. Resolvi interrompe-lo logo.
Charlotte: Não.
Ele suspirou, fingindo estar chateado. Ao chegar na porta, se virou uma última vez.
Scott: Você realmente não precisa ir embora. Mas se quiser mesmo, me acorde para que eu possa desativar os alarmes. 
Em seguida, ele indicou a xícara que ainda estava em minhas mãos.
Scott: E eu não coloquei nada na sua bebida.
Ele foi para o quarto, me deixando sozinha ali. 
Atitudes como essa me assustavam, principalmente vindo de Scott. As pessoas nunca eram tão boas comigo, e mesmo quando Alexander me ofereceu um quarto, foi mais por interesse do que por gentileza. Mas eu não devia reclamar. Ele estava se arriscando fazendo isso, e ainda tinha que aguentar outras besteiras que eu fazia com frequência que quase custavam seu emprego.
Todd, um traficante com que fiz uma forte amizade no beco, também já me oferecera um lugar para ficar. No entanto, na época da proposta, não tínhamos tanto tempo de amizade e não me sentia tão confiante. Não que ele não fizesse a mesma proposta nos dias atuais, mas algo sempre me impedia de aceitar. Eu não queria mais mudanças. 
Meus sentimentos de desconfiança não mudavam nada quando se tratava de Scott, mas, naqueles poucos momentos em que estávamos passando juntos, desde o beco até aquela noite... Algo estava acontecendo. Talvez não entre nós, mas sim comigo. 
Tentei afastar os pensamentos um pouco. Não era agradável o rumo que aquilo estava tomando. 
Avistei uma cadeira perto da porta e me sentei ali. O sono logo veio e quando me dei conta já não queria mais levantar. Por mais incrível que parecesse, era naquele lugar que eu passaria a noite.
Acordei com a luz do sol no meu rosto. Levei alguns segundos para lembrar onde estava e por que. Ao me espreguiçar, notei que havia uma coberta vermelha sobre mim, e eu sabia que ela não estava ali quando adormeci. Me permiti um sorriso.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Suspect - Capítulo 11: A teoria que deu certo

11. Não gaste balas a toa.
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A delegacia não era nem um pouco perto do bairro de Santiago.
No meio do caminho, fomos obrigados a esperar um dos sinaleiros voltarem à cor vermelha para os carros, para não sermos atropelados pelos motoristas furiosos com mais um dia de trabalho. 
Scott olhou seu relógio.
Scott: São seis e meia.
Charlotte: E daí?
Scott: Ele já deve estar longe da delegacia.
Suspirei, cansada pela corrida, mas ao mesmo tempo preocupada com as crianças.
O sinal ficou verde para os pedestres.
Scott: O que você quer fazer agora?
Trinta segundos para atravessarmos antes que o sinal de pedestres voltasse ao vermelho.
Scott: Charlotte?
Encarei Scott, determinada.
Charlotte: Vamos até eles.
Sem esperar uma reação, corri o mais rápido que conseguia. Atravessei a rua e corri até o final, cruzando a primeira esquina. Scott tinha dificuldades para me acompanhar, mas eu não podia desacelerar agora. O beco onde havia visto o assassino pela primeira vez estava ali.
Entrei e fui até o final, onde estava a porta.
Scott chegou logo em seguida. Ambos estávamos sem fôlego.
Charlotte: É... Aqui embaixo...
Ele ainda estava se recuperando.
Ficamos em silêncio por provavelmente dois minutos, tentando normalizar nossa respiração.
Ouvimos um grito. Agudo, infantil, e logo soubemos que era delas.
Sem pensar duas vezes, abrimos a porta.
Era uma sala com apenas um dos cantos bem iluminado. Havia sangue seco no chão, cadeiras quebradas, uma maca, e três homens com os olhares focados em nós. Estavam surpresos.
O homem que eu havia levado até a delegacia estava com sua perna enfaixada no local acertado pela faca, sentado de costas para a parede, não muito longe da maca. Wilson, o avô desesperado, estava em pé ao lado do assassino, com as mãos no bolso. O médico, com um bisturi em mãos, olhava para nós e em seguida para o patrão repetidas vezes.
Wilson: Saiam agora e deixamos os dois em paz.
Seu tom de voz era tranquilo, como se já tivesse feito aquilo antes.
Scott: Deixe as garotas em paz e tentamos não matar vocês.
Wilson lançou um olhar para o assassino e este entendeu a ordem. Ele levantou, armado. Não perdeu tempo em atirar. Abaixados, Scott e eu fomos para lados opostos.
Scott sacou sua arma e começou a revidar os tiros. Percebi que havia cometido um erro. Não estava armada, não havia algo que pudesse usar para atacar.
Scott acertou um tiro na perna do assassino, no lugar enfaixado. Ele gemeu e deu mais dois tiros, dos quais um me acertou no braço.
Nem mesmo a adrenalina pôde disfarçar a dor que senti. Por sorte, as balas haviam acabado, dando-me tempo para correr antes que acontecesse mais alguma coisa.
Wilson puxou uma arma e começou uma nova troca de tiros com Scott.
Corri para trás de algumas caixas, sem ser notada pelo velho. Observei que o médico estava abaixado atrás da maca de sua paciente, a qual permanecia em seu estado de sono induzido por anestesias. 
Um grito começou a vir das caixas, um grito que acreditei reconhecer.
O mais rápido que pude, comecei a vasculhar a caixa, procurando uma abertura ou algum tipo de trava para tirar garota de dentro.
Por um momento olhei para Scott, e vi que sua situação não era das melhores. Suas balas haviam acabado, e ele estava dando seu melhor para desviar dos tiros de Wilson. Scott logo iria se cansar, e aparentemente, ainda havia muitas balas para serem gastas por parte do mais velho. Eu precisava ajudar.
Avistei uma segunda caixa ao lado da qual eu tentava abrir. Movimentei-a, tentando descobrir o que havia dentro, e logo soube que era algo pesado, mas não o suficiente para me impedir de levanta-la. Com muito esforço e dor por causa do tiro, ergui a caixa na altura de meus quadris — foi o máximo que consegui  e joguei, tentando acertar o inimigo. Porém, ele viu e logo entendeu meu plano, de forma que, na hora certa, ele se jogou no chão, de modo que o caixote se chocou contra a parede e se quebrou, revelando sacos, agora boa parte furados, de pó branco. Drogas.
No entanto, isso teve um lado bom.
Scott pulara em cima do velho. Falhou em imobiliza-lo, mas conseguiu afastar a arma. Agora eles lutavam corpo a corpo.
Voltei-me para a caixa onde se encontrava a garota e tentei achar qualquer tipo de abertura, mas logo fui chutada no estomago para longe da caixa. A dor do tiro foi substituída temporariamente pela dor do chute. 
Me virei, ainda no chão, para identificar quem praticara tal ato.
Ele sorria vingativamente. Sua perna sangrava por causa do tiro de Scott, mas ele parecia não ligar. Uma faca diferente estava em suas mãos.
Charlotte: Faca nova?
Ele me puxou pelo cabelo, de forma que fui forçada a ficar em pé. Tentei chuta-lo, mas parecia que havia ficado mais atento.
Assassino: Comprei especialmente pra você.
Senti a lamina encostar no meu pescoço. Extremamente afiada.
Scott conquistara a arma de Wilson, que estava com as mãos erguidas em sinal de desistência.
A garota gritava na caixa.
O assassino sussurrava o que faria após me matar. Nojento.
E então um grito de uma segunda criança surpreendeu a todos. A menina acordara.
Menina: Vovô!
Ninguém ousou dizer uma palavra. Wilson se virou para encara-la, ela estava totalmente confusa. Ele encarou Scott, seu olhar de raiva havia mudado para pena e desespero. Estava preocupado com a neta, com o que ela veria.
Scott abaixou a arma e indicou a criança. O homem primeiramente deu alguns passos ainda de frente para Scott, receoso. Quando soube que podia confiar, correu até a garota e a abraçou.
Scott se virou para ver como eu estava lidando com a situação, e arregalou os olhos ao ver o que acontecia.
A faca do assassino permanecia em meu pescoço. Scott apontou a arma para ele.
Assassino: Faça isso e dou um fim nela.
Ele pressionou a faca com mais força. Senti um corte, por ora insignificante, sendo feito.
Scott: Faça isso e dou um fim em você.
Por sorte, Wilson se manifestou. 
Wilson: Largue a faca.
Não sabia se estava preocupado com o provável trauma que a criança sofreria se visse, ou se apenas estava sendo dominado pelo temporário sentimento de compaixão causado pela inocência da menina. Talvez, após o fim de tudo aquilo, ele até entrasse para o Greenpeace.
O assassino permaneceu imóvel e as ordens tiveram que ser repetidas.
Finalmente, fui solta. Ele me empurrou, com raiva, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio e caísse. Aproveitei a oportunidade em que Scott me ajudara a levantar para lhe dizer, num sussurro, sobre a garota na caixa.
Fomos até ela e começamos a procurar um modo de abrir. O assassino estava visivelmente preocupado.
Assassino: Chefe?
Wilson permaneceu em silêncio.
Consegui achar uma trava.
Assassino: Chefe!
Scott me ajudou a levantar a tampa. A garota estava encolhida, chorando. Estava num estado deplorável.
Peguei-a no colo, tentando acalma-la.
Scott: Onde está a outra?
Wilson: Que outra? Só há essa.
Scott: Você a matou?
Wilson: Eu não sei do que você está falando.
Scott atirou, acertando o chão próximo aos pés do velho. Wilson se virou para o assassino. Era difícil dizer quem estava mais preocupado.
Wilson: Mostre a ele.
Assassino: O que?
Wilson: Mostre a ele.
As ordens do velho eram firmes e nervosas. Tinha medo que machucássemos a neta, já que estávamos em vantagem.
O assassino murmurou alguns palavrões e guiou Scott até uma porta no canto da sala.
Ao sair, a expressão facial de Scott dizia tudo. A garota estava morta.
Scott: Aproveitem seus últimos dias de liberdade.
Em seguida, se direcionou a saída, enquanto avisava para deixar o corpo da garota ali.
Eu o segui, ainda com a criança no colo. Ela ainda chorava, e parecia ter mais medo de Scott do que de mim.
Charlotte: O que fazemos agora?
Scott: Temos que entrega-la aos pais.
Notei que Scott estava verdadeiramente cansado.
Scott: A casa de Olivier é na próxima rua. Vou deixa-la lá.
Coloquei a garota no chão.
Charlotte: Eu vou com você. A delegacia é no mesmo caminho.
Ele concordou.
Nos apresentamos para a menina da maneira mais gentil possível. Tentamos dizer coisas felizes como "você logo encontrará seus pais". Em poucos minutos ela parecia ter esquecido tudo e começou a sorrir.
Guiando-a pelas mãos, levamos a garota até seu avô. Nossa caminhada foi silenciosa, cada um com seus pensamentos.
Oliver observava a janela, e quando nos viu, imediatamente saiu da casa e veio até nós. Chorou ao ver a neta. Ele a mandou para dentro da casa, e pelos gritos logo soubemos que os pais estavam lá.
Oliver começou a tirar notas altas do bolso, mas Scott disse que não precisava.
Scott: Eu não matei ninguém. Na verdade...
Ele suspirou.
Scott: Vamos ter que conversar. Não agora. Você tem coisas mais importantes para se ocupar.
Oliver pareceu entender. Abriu um sorriso de alivio e se despediu, voltando para a casa.
O céu estava ficando nublado.
Charlotte: Então é isso.
Scott: Você... Vai voltar para a delegacia?
Charlotte: É, acho que sim.
Pode ter soado rude, mas eu virei às costas e fui embora. Ignorei a quantidade de vezes que meu nome foi chamado. Ignorei a chuva, que mal começara, mas já caia agressivamente. 
Percebi que estava começando a me acostumar com a dor, o que não era bom sinal.
Avistei um pequeno parque. Havia escorregadores e balanços para as crianças.
Subi pela escada até o topo do escorregador, o "castelinho" em que as crianças faziam fila para descer no brinquedo.
Respingos da chuva ainda caiam sobre mim, mas não me importei. Concentrei-me no som da chuva no teto alaranjado do castelo, e procurei descansar.
Eu voltaria para a delegacia, mas naquele momento eu só queria ficar sozinha. Sabia que se voltasse agora, haveria uma pequena chance de encontrar alguém que me faria muitas perguntas, as quais eu não tinha a mínima vontade de responder.
Então, senti algo. Algo quente. Não era o vento, mas sim a respiração de alguém, e logo percebi que estava lentamente ficando mais próximo, abri os olhos.
Vindo dele, já não saberia se devia ficar surpresa.
Se não fosse pelo guarda-chuva preto ao seu lado, e pelo fato de que estava seco, diria que havia acompanhado meu passo tranquilamente.
Scott: Oliver me deu isso com a condição de vir atrás de você... E eu sempre cumpro a minha palavra.
Permaneci em silêncio, encarando-o. Jamais poderia imaginar que alguém viria atrás de mim sem querer me prender, principalmente com o cansaço que podia acreditar que ambos sentíamos. 
Em poucos segundos, seus lábios encontraram os meus.
Foi um beijo calmo, doce. Nesse momento, foi como se todos os problemas tivessem desaparecido. Pela primeira vez em muito tempo, pude me sentir verdadeiramente tranquila.