sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Skylar - Um

— Ela está nervosa.
— E você não ficou?
As garotas iniciaram uma discussão enquanto esperavam os resultados de seus testes de agilidade. Observavam enquanto a novata aguardava ser chamada pelo líder no corredor do mezanino, os cabelos platinados mudando constantemente de cor enquanto reagia até mesmo ao zumbido de uma mosca. Skylar não se deu ao trabalho de entrar no assunto, assim como ninguém a convidou. Todas sabiam da sua persistência para se tornar uma dos Phoenia.
Os Phoenia eram um dos grupos mais falados do reino, quase uma gangue, composta apenas pelos melhores dos melhores. Ninguém se atrevia a procurá-los, assim como ninguém recusava o convite quando contatado.
Ao contrário dos grupos menores, não eram ladrões ou traficantes. Seu objetivo era outro: proteger o reino da maneira que o rei não podia. Afinal, havia regras as quais nem mesmo a maior figura de poder poderia quebrar, mesmo que para proteger seu povo. Sempre haveria um julgamento do qual poderia surgir o verdadeiro caos. Assim, os Phoenia eram o que a população local chamava de “justiceiros”, apesar de os mesmos preferirem o termo “não-tão-burocráticos”. Era esse um dos motivos que fizera Skylar, desde nova, admirá-los.
Não eram tão incomuns solicitações para entrar no grupo. Muitos lutadores e outras figuras de fama momentânea acabavam por buscá-los, ou melhor, em busca do título, mas Skylar tinha apenas dezoito anos quando conseguira uma audiência com Aron, o líder dos Phoenia. Ela não era popular, sequer possuía alguma habilidade notável, o que levou os veteranos que acompanhavam a reunião gargalhar ao ouvir o pedido da garota. Seu líder, no entanto, fora o único a levá-la a sério. Ele jamais se esquecera da garota que, anos antes, perseguira seus membros na tentativa de chamar a atenção. Era jovem e imatura demais para enfrentar a realidade que cairia sobre seus ombros, de forma que a única coisa a qual recebera fora um aviso nada sutil para parar. Ela o fez, mas nunca deixou de treinar. Mesmo com a desaprovação da mãe, se mostrou verdadeiramente forte ao ir diretamente até o líder. Seu desempenho nas provações fora motivo de repreensão para alguns dos integrantes mais avançados que, apesar da maior agilidade por conta dos anos de treinamento, não chegavam aos pés da eficiência da novata.
— Quem é ela, afinal? — Annelysé se juntara as garotas na espera. Apesar do suor escorrendo pelo pescoço, os cabelos loiros estavam perfeitamente em ordem.
— Ouvi dizer que ela estudava naquele internato dos ricos. Parece que a magia se descontrolou ou algo assim. Se Aron não a tivesse convocado, provavelmente teria sido expulsa. — Franka parecia ter a informação em detalhes. Até mesmo Skylar teve dificuldades em manter sua expressão neutra. Descontroles na magia eram acidentes comuns, mas para resultar em expulsão deveria ser necessário algo quase tão grave quanto a morte.
A porta da sala de Aron se abriu e dois garotos saíram, as cabeças baixas sendo um sinal de que haviam sido repreendidos. Os cabelos da garota mudaram para um tom escuro de verde antes de serem possuídos pelo forte vermelho. A cor parecia pulsar conforme ela tentava manter a calma.
Um amontoado de envelopes fora jogado na mesa de reunião em que as garotas se agrupavam, tirando o foco da novata. Todas avançaram ao mesmo tempo, cada uma procurando pelo seu nome. Skylar esperara até que sobrasse apenas o seu.
Franka fora a primeira a xingar, enquanto Anne se mostrou apenas satisfeita. A maioria havia alcançado a média, enquanto Skylar alcançara quase todos os limites da nota. Mais leves que o ar, mais mortais que o diabo, era o lema. Ela sorriu com as observações dos avaliadores.
Não demorou muito para que uma começasse a roubar os papéis da outra, todas tentando descobrir as observações que cada colega recebera, comentando sobre a aspereza e insensibilidade dos críticos. Skylar tentou evitar a socialização e se manteve neutra até ter sua avaliação arrancada das próprias mãos. As gargalhadas sumiram durante a leitura e ela apenas aguardou de braços cruzados.
— Pelos deuses, Skylar. Eles te elogiaram!
— Sua nota mais baixa foi 95. — Anne comentou, impressionada, mas não tanto. Costumavam serem parceiras nas missões e eram boas amigas, de forma que já havia se acostumado com a capacidade de Skylar.
— Poderia ter sido 100, mas discuti com aquela vaca. — revelou.
— Como você conseguiu passar pela altura? — Franka encarou Skylar, implorando por algum conselho, e então seus olhos foram diretamente para os calçados da colega. — Você fez a missão de SALTO?
Todos os olhos se direcionaram para os pés garota, que calçavam uma bota de couro preto, o cano curto e um salto de pelo menos dez centímetros. Skylar deu de ombros.
— Você só precisa saber onde pisar. É como andar normal, só que num lugar mais alto e mais estreito.
COMO VOCÊ ANDA NORMAL EM UM CENTÍMETRO DE CONCRETO? — Franka agora gritava. Suas notas sempre eram as mais baixas naquela parte do teste.
O teste de altura era dividido em diversas etapas, sendo a última semelhante a andar sobre o parapeito de um prédio de seis andares, porém com mais empecilhos, como estruturas falsas e ataques aleatórios. Skylar tinha plena consciência de que sua nota cairia ao pedir, não muito gentilmente, para que a instrutora fosse prestar serviços sexuais em um lugar não muito amigável quando a mesma tentara acertá-la com uma esfera de fogo.
As garotas começaram a trocar conselhos para determinadas partes do teste, comparando seus desempenhos. Skylar contribuíra com algumas ideias e se oferecera para ajudar três delas, incluindo Franka, que pareciam piorar a cada avaliação, quando uma voz masculina interrompeu o falatório.
— Skylar. — O tom cansado do coordenador fez a tensão surgir nos ombros da garota. Ela se virou para encará-lo e ele fez um gesto para que o seguisse. Anne sussurrou um “boa sorte” enquanto a amiga o acompanhava.
A sala de Maxxwel era no segundo andar, uma mesa com três cadeiras em meio a grandes quantidades de estantes, todas completas com pastas de relatórios. Ele se sentou na grande cadeira que representava sua posição, não precisando pedir para que ela também o fizesse. Esfregou o rosto com as mãos e suspirou uma vez antes de começar. Tinha apenas trinta anos, mas a quantidade de trabalho parecia cansá-lo o suficiente para deixá-lo com a disposição de alguém com sessenta, principalmente quando se tratava de Skylar.
— Skylar. — Ele disse, sem emoção. Maxx encarava os papéis em sua mesa como se tentasse resolver uma equação. — Você só precisava pegar um livro.
— E eu peguei. Está com Aron agora mesmo. — A tranquilidade em sua voz parecia apenas cansá-lo mais, o que por um momento a fez se sentir culpada.
— Seis guardas inconscientes.
— Não deveria ter tantos numa sala como aquela. — murmurou. — E foi apenas um sonífero.
— Um deles não resistiu. Seu corpo não estava devidamente adaptado para receber um encanto como esse.
— O mau treinamento da segurança de um rico não é culpa minha.
— Não piore as coisas, Sky.
— Por que não me diz logo a punição e acabamos com isso?
— Sky... — Ele fechou os olhos por um momento, escolhendo as palavras com cuidado. — As punições existem para chamar a atenção. É para perceber o erro e não repeti-los, mas você parece não se importar em precisar cumpri-las.
Ela revirou os olhos.
— O que você quer que eu faça? Adestre outra fênix? Ou polir as lâminas do arsenal?
— Que inferno, Skylar. — Maxxwel se levantou, soqueando a mesa e derrubando alguns dos objetos por ali. — Você não enxerga os seus erros? Não entende que não pode fazer o que bem entender só para diversão própria?
— Eles só estão dormindo, — rebateu — você sabe tão bem quanto eu que acordarão amanhã ou depois.
— A questão não é essa! Você está colocando em risco tudo...
— Tudo o quê? — Skylar interrompeu. — Nós vivemos em risco. É isso que fazemos. Todos os dias saímos para missões tão perigosas que a guarda real não teve a capacidade de se envolver. Todos os dias perdemos alguém. Me diga, Maxx, que outro risco pode existir além da nossa própria vida?
Ele respirou fundo, encarando Skylar em silêncio enquanto tentava manter a calma. Ela tinha plena certeza de que o coordenador estava queimando-a viva mentalmente quando retomou a fala, dessa vez pacificamente.
— Aron cuidará de sua punição. Não há mais nada que eu possa fazer para salvá-la de seus próprios descuidos.
A boca da guerreira se abriu, mas nenhum som saiu. Ser enviada para o líder era um caso sério. Ninguém sabia o que poderia acontecer a partir dali.
— Pode se retirar agora.
Retomando os sentidos, Skylar o fuzilou com o olhar antes de se levantar e caminhar até a porta, parando por um momento ao tocar a maçaneta.
— O guarda pediu para morrer.
— Skylar, estou pedindo com todo o respeito possível...
— Ele se chamava Wanner, e tinha apenas dezenove anos. Passou três anos em treinamento antes de ser recrutado. Ele foi estuprado pelos companheiros durante todo esse tempo. Fez uma denúncia no primeiro ano, mas pediu o cancelamento por medo. Por isso a história não ficou conhecida.
— E como você soube disso?
— Eu li a denúncia nos arquivos antigos da biblioteca, quando você me mandou organizar meses atrás. Ele era o único na sala quando entrei. Cometi um erro e fui vista. Quando me reconheceu como uma Phoenia, ele implorou. Queria uma morte digna. Por isso atraiu os outros guardas para a sala.
— Você o ajudou num suicídio. Isso não é digno.
— Não. Mas para a família ele morreu exercendo seu dever.
O silêncio que se seguiu deixou o ar pesado. Skylar começava a se arrepender da revelação quando finalmente obteve uma reação do coordenador.
— Vou tentar conversar com Aron. — disse entre suspiros. Skylar deu um meio sorriso, grata, mas sem perder o reconhecido perigo no olhar.

— Vou procurar uma fênix. — E então saiu.

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