O pássaro
chiou baixinho quando Skylar gentilmente acariciou seu pescoço. As garras
afiadas seguravam em seu braço, mas sem força para machucá-la. Ela apoiou a
cabeça no espaço entre o pescoço da Phoenia, que se esforçou para não rir com
as cócegas causadas pelas penas.
— Já
disseram como está linda hoje? — Skylar perguntou, observando e rindo quando as
bochechas da fênix levemente pegaram fogo. — Desde quando você fica tímida?
O pássaro
pareceu murmurar algo incompreensível.
— Seria alguma paixão? — provocou — É
aquele gavião da gaiola dois?
Dessa vez a fênix ergueu a cabeça,
abrindo o bico apenas o suficiente para uma tênue chama em reprovação. Skylar
sorriu.
— Essa é minha garota.
A fênix abriu novamente o bico, mas o
fechou rapidamente, curvando a cabeça em sua magnífica reverência. Skylar
observou Aron caminhar até ela por um momento e então repetiu o gesto, assim
como os outros que estavam no aviário. O líder aguardou alguns instantes antes
de dispensar os cumprimentos.
— Skylar. Naasa.
O pássaro inclinou a cabeça em
direção a Aron, quase num flerte. Além de Skylar, o líder era o único a quem a
fênix respeitava. Ele sorriu e acariciou brevemente a cabeça da mesma, que voou
logo em seguida para sua gaiola enquanto formava arcos flamejantes no ar numa
demonstração única de felicidade.
Fora preciso apenas um olhar para
Skylar saber que deveria seguir o líder. Ele se virou, a postura naturalmente
imponente a qual seduzia e ao mesmo tempo invejava a maioria das pessoas, e
seguiu para fora do aviário, sem esperar pela garota. Ela o alcançou quando
chegaram ao jardim nos fundos da residência dos Phoenia. Havia alguns membros
trabalhando ali como punição, enquanto outros auxiliavam simplesmente por
gostarem de botânica.
— Maxxwel falou comigo. — Aron disse,
mantendo a expressão neutra enquanto avaliava de longe o trabalho de um grupo
de garotos. — Há algo que queira me dizer?
Skylar precisou pensar rápido.
Poderia contar os mesmos detalhes que dissera a Max, mas acreditava que o
coordenador já havia feito isso. No entanto, conhecia o líder o suficiente para
saber que qualquer pergunta ou gesto poderia ser um teste.
— Depende do que o coordenador lhe
disse.
Aron permaneceu em silêncio por
alguns segundos. Skylar tentava controlar a ansiedade e manter o respeito pelo
qual a situação exigia, esforçando-se para manter a visão direcionada ao grupo
que trabalhava.
— Eu sabia sobre o garoto. Wanner
Hopan, o mais novo entre três irmãos guerreiros. Entrou para guarda pela
pressão do pai e dos irmãos, mas queria trabalhar no mercado de frutas com a
mãe. — Ele fez uma pausa, o leve esboço de um sorriso que sumiu logo em
seguida. — Eu o conheci quando era mais jovem, quinze, talvez. Era clara a
satisfação em atender os clientes e aconselhá-los sobre os melhores usos das mercadorias.
Ele não me reconheceu na época, mas sua mãe sim.
O silêncio voltou a dominar a
conversa, dessa vez sem previsão de término. Skylar assimilava as informações
com cuidado, tentando entender porque as mesmas lhe foram dadas tão facilmente,
sem pedidos.
— Você fez o certo, Skylar.
Ele a encarou pela primeira vez desde
o aviário, os olhos verdes parecendo penetrar sua alma e a desconcertando por
um momento.
— Eu... Sem punição, então? — Ela
tentou não deixar a expectativa muito evidente. No entanto, a retomada da
postura usual do líder foi o suficiente para obter a resposta.
— Outros cinco ficaram inconscientes.
— Fazia parte do plano! Nenhum deles
teve alguma sequela. Foi apenas um feitiço do sono leve.
— Ficará de fora das missões no
próximo mês, exceto em algum caso extremamente severo, o qual eu ou Maxxwel a
convocaremos pessoalmente, se necessário. Deverá auxiliar mestre Haymon na
cozinha durante esse tempo.
— Isso não é justo. — Skylar não pôde
evitar reclamar.
— Sua “boa ação” não ficará exposta num
mural, Skylar. Para todos os outros, você apenas fez o de sempre: exagerar por
causa de alguma tarefa que considera tediosa. Além disso, talvez tenhamos uma
nova integrante. Pense que estará sendo um exemplo para ela quanto as
consequências de cometer um erro.
— Ainda assim, todas as missões?
O olhar do líder agora era de
advertência. Mesmo dando liberdade para o diálogo informal com seus liderados,
não significava que os mesmos poderiam desrespeitar suas ordens. Aron fazia
questão de deixar clara a diferença entre a amizade e o trabalho.
— Sua audição está danificada ou devo
presumir que está desenvolvendo alguma demência?
Skylar se encolheu e evitou
encará-lo.
— Não, senhor. Eu entendi bem.
— Ótimo. Inicie a contagem dos trinta
dias a partir de hoje e volte a me ver no final para discutirmos sua situação.
A garota assentiu relutante, e
começou a se afastar quando o líder chamou uma última vez.
— Não esqueça — disse, sem se dar ao
trabalho de se virar —, mestre Haymon me dará um relatório completo do seu
desempenho, e ele não poupa detalhes. Espero não precisar lhe dar sessenta dias
limpando as gaiolas ou estábulos por transformar uma colher de pau em alguma
arma. Ou pior.
Skylar não sabia se deveria sorrir
pelo reconhecimento do seu potencial ou xingar por ser obrigada a passar trinta
dias com o chefe de cozinha mais rabugento do reino que, não era nenhuma
surpresa, reservava parte da sua raiva pelos jovens apenas para ela. No
entanto, apenas assentiu e, com uma última reverencia breve, se retirou em direção
a coordenação para pegar o formulário que permitiria sua entrada na cozinha e,
consequentemente, a colocaria a cargo do mestre pelo próximo mês.
***
Kyron terminava de limpar o punhal
quando recebera um bilhete convocando-o à Grande Sala. Ergueu as sobrancelhas e
guardou o papel no bolso, esfregando a lâmina sem pressa alguma para remover as
últimas manchas. Não estava de bom humor.
Compreendia que, como um dos membros
ativos com mais anos de trabalho, deveria servir de instrutor para os novatos,
mas tudo aquilo estava se tornando uma grande piada. Sabia que, graças as
lições de seu pai, podia enxergar coisas que os outros simplesmente deixavam
passar: pequenas expressões faciais, falhas sutis em histórias. Apesar de todos
os Sycrax passarem pelo mesmo treinamento, alguns tinham mais aptidão para
determinadas áreas. Ele, por exemplo, havia herdado o dom da tortura de seu
pai. Não era algo do qual realmente se orgulhasse, mas era o que tinha. Os
novatos que vinha recebendo, no entanto, mal sabiam que tipo de corte fazer ou
onde. Não gostava de coloca-los em problemas — eles já faziam isso sozinhos —
mas a situação estava ridícula.
Jogou o pano manchado de sangue na
lata destinada aos trapos inúteis e guardou a arma em seu específico lugar na
gaveta de vidro. Apoiou as mãos sobre a mesa por um momento, tentando
desacelerar a mente. Às vezes se pegava imaginando uma vida diferente, longe
dos Sycrax, longe da tortura e de todo o sangue derramado em nome do clã. Não
podia negar que sentia prazer em lutar e, desde os doze, talvez treze anos, não
sentia mais repulsa com as atrocidades que via ou cometia. Se acostumara aquela
vida e nunca tivera tempo para escolher outro caminho. Não conhecera a mãe, de
forma que seu pai e os outros Sycrax se tornaram seus guias. Foram os livros,
no entanto, que preservaram os restos da sua humanidade. Por eles, descobriu
sentimentos como amor e misericórdia, sensibilidade ao próximo. Obviamente,
nunca demonstrara seus verdadeiros pensamentos a qualquer outro colega do
grupo. Seria o suficiente para uma ordem de assassinato imediato.
Respirou fundo uma última vez antes
de iniciar seu caminho para a Grande Sala. Repassou mentalmente as últimas
atividades feitas: uma série de exercícios que ocupou quatro horas inteiras da
sua manhã, uma refeição com seus colegas da última missão e, pela tarde, quando
praticava combate, foi chamado para auxiliar na tortura de um possível
informante inimigo em busca de respostas, quando seu mau humor atingiu o ponto
máximo.
Provavelmente, a convocação se
referia a alguma busca de maior valor ou a promoção de algum membro mais
antigo. De qualquer forma, sempre se sentia estranho com o resto do grupo da
sua “geração”. Ele era o mais novo, tendo uma diferença de cinco anos entre o
segundo mais. Era o único que havia crescido no meio dos Sycrax, enquanto a
maioria chegara ali na pré adolescência.
— Kyron! — exclamou Malakye, o líder
do bando, quando o mais jovem passou pela porta. Seu tom de voz irônico fez com
que os outros presentes ficassem tensos. —Ficamos felizes por ter decidido se
juntar a nós. Isso levou apenas... quinze minutos desde a convocação? Devo
então me sentir privilegiado com a sua presença?
— Não, milorde — a voz tão fria quanto o olhar —, creio que jamais deveria
haver um pensamento tão grandioso em relação a mim enquanto temos o senhor para
nos comandar.
Os outros Sycrax convocados se
entreolharam. Kyron era provavelmente o único membro que se atrevia a desafiar
o líder.
Malakye encarou Kyron por um longo
momento. Enquanto o soberano vestia um longo casaco preto, as ombreiras
douradas se destacando com o cabelo loiro, o mais jovem vestia um conjunto
surrado de calças de treinamento e uma blusa rasgada, recentemente tingida de
sangue. Era o único sem um traje formal na sala.
— Vamos começar, então. — O líder se
levantou na ponta da mesa retangular, encarando os outros doze subordinados que
convocara. Ali estavam os melhores dos melhores. Tinha plena consciência de que
não seria o suficiente para a missão que muito em breve chegaria, mas era esse
o motivo pelo qual os solicitara. Obviamente, não contaria toda a informação
ainda. A última coisa de que precisava era gerar um caos precipitado.
— Nos últimos anos, vocês
sobreviveram as piores das situações. Treinaram arduamente e sofreram fora e
dentro de seu próprio lar. — Fez uma pausa, observando os olhares que o seguiam
e como o sentido de “lar” os afetava. Além de Kyron, que permanecia frio, os
outros acompanhavam cada palavra atentamente, como se fosse um deus. Sentiu-se
satisfeito e prosseguiu — Hoje daremos início a um novo processo dentro do
nosso amado clã. Vocês, experientes Sycrax, serão testados com uma nova
responsabilidade: treinar seu próprio grupo.
Murmúrios surgiram e desapareceram
tão rápido quanto. A ansiedade do grupo ficara clara, nem todos positivamente.
Kyron, no entanto, permanecia imóvel e em silêncio, encarando seu líder
diretamente quase sem piscar.
— Selecionei pessoalmente 72 dos
nossos membros mais dedicados, dos quais cada um de vocês haverá de escolher
seis para formar sua equipe. Deverão treiná-los tão arduamente quanto qualquer
teste pelo qual já passaram. Estes jovens deverão se tornar as novas relíquias
do bando, os melhores, os exemplares, os...
— Apenas diga logo que os novatos são
capazes de morrer embainhando uma espada e nos dê as fichas. Vamos acabar logo
com isso. — Kyron disse. Malakye teve dificuldades para controlar a fúria que
crescia em sua garganta, optando por não responder a interrupção.
— Vocês terão duas semanas para criar
seus campeões. Não haverá interferência alguma da minha parte quanto aos
métodos que escolherão, mas sejam cautelosos com suas escolhas. Nenhum membro
da equipe poderá ser substituído, seja por incompetência ou morte.
O silêncio durou aproximadamente três
segundos até a sala começar a se agitar.
— O que vamos ganhar com isso? — A
pergunta veio de Tarcor, uma máquina de matar em forma humana. Sua pele era
quase que completamente coberta de cicatrizes e, apesar da falta de sutileza
durante os combates, sua agressividade compensava em dobro. Era um lutador com
o título invicto até então.
— Vamos deixar o melhor para o final.
— Respondeu o líder numa paciência contida.
— Então quer que façamos todo esse
esforço sem um objetivo? — Kyron acompanhava em silêncio o início de uma
pequena rebelião. Não identificou a voz, mas supunha que fosse de um dos que já
estavam em pé ao redor da mesa.
— Ah, mas é claro que não. — Malakye
respondeu e Kyron fora o único a perceber, pela sútil mudança da entonação na
voz, o sermão que se seguiria. — Eu quero que façam esse esforço porque... é
uma ordem. Não estou negociando.
Agora vocês se levantarão e irão para a área de combate, onde os escolhidos
estarão a espera para a formação da equipe. Farão isso sozinhos ou precisam de
um incentivo maior para iniciarem?
O som de cadeiras se arrastando e
sussurros, alguns xingando e outros pedindo desculpas, ecoou pela sala. Kyron
esperou até que todos saíssem para finalmente se manifestar.
— Eu ia procura-lo quando recebi a
convocação. Parece que milorde fora mais rápido, não é mesmo? — Não se deu ao
trabalho de ocultar a aspereza na voz, mesmo sabendo das possíveis
consequências em lidar erroneamente com Malakye.
— Qual o problema, Kyron? Alguma
frustração sexual recente? Me poupe desses detalhes, terá seis jovens onde
descontar sua raiva.
Kyron engoliu em seco, se perguntando
se a menção fora apenas um comentário dispensável ou realmente com fundamento.
Já havia se passado alguns dias, mas ainda pensava na Phoenia. Sua repulsa pelos
Sycrax era clara, mas tinha completa certeza de que havia algo...
— O problema é justamente esse. Onde
tem arrumado esses garotos, Malakye? Eles não parecem ter a mínima noção da
proporção de tudo isso.
— E é exatamente por isso que você os
treinará. Ensine-os.
Malakye agora saía da sala, ignorando
o mais novo que o seguia de perto.
— O que está escondendo de nós? —
Kyron perguntou. — Os outros podem não perceber, mas você sabe que eu não sou
como eles. Eu vejo seus segredos,
Malakye, e eles parecem infinitos.
O líder se virou bruscamente,
impaciente e furioso.
— Sua audácia será o motivo da sua
morte, garoto.
Agora ambos se encaravam, Malakye com
sua postura soberana que, para todos era o suficiente para um pedido de
desculpas por qualquer palavra dita de maneira errada. Kyron, por outro lado,
não se importava. Encarava o líder diretamente, ciente do perigo, porém sem
medo de enfrenta-lo.
— Você pode ter herdado as
habilidades do seu pai, Kyron, e ele pode tê-lo ensinado para ser tão bom
quanto o mesmo foi. Não duvido nem um pouco de suas capacidades, mas, para sua
própria segurança, espero que tenha em mente que nunca será ele. Falta algo em você e, apesar de ser
um dos nossos melhores, apesar de eu ter um mínimo apreço por você... Não sei
qual o seu problema e não tenho como auxilia-lo nessa busca.
Kyron não estava chocado pelas
palavras duras que recebera, mas as menções ao pai sempre o atordoavam
profundamente, e Malakye sabia disso.
— Na dúvida — completou o líder, já
iniciando a dispensa do assunto —, você sempre pode buscar conforto no clã. É para isso que adicionamos algumas mulheres, não
é mesmo? — Ele sorriu, malicioso e sujo, e então se afastou.
Primeiro, Kyron queria chorar, mas
então se lembrou que seu pai desaprovaria grosseiramente essa reação. Respirou
fundo até ter certeza de que não quebraria nada no caminho.
Quando chegou a área de combate, o
lugar estava quase vazio. Apenas mais um dos selecionados para liderar as
equipes parecia entrevistar rapidamente os restantes. Kyron não estava com
paciência o suficiente para isso.
— Vocês seis — ainda na porta,
apontou para o grupo mais afastado da entrevista. Oito cabeças se viraram, mas
duas voltaram rapidamente a olhar para a frente. — Já foram escolhidos?
A resposta foi uma negação insegura
com a cabeça.
— Ótimo. Começaremos em meia hora. Me
encontrem no refeitório e levem suas fichas.
Saiu antes que pudessem responder.
Não conseguia imaginar o motivo de tudo aquilo, mas mesmo com a má sensação
borbulhando em seus pensamentos, sua única opção era seguir em frente.
Os trinta minutos foram exatamente o
necessário para lavar-se, trocar as vestes e se dirigir para o refeitório, que
ficaria vazio pelas próximas duas horas. Seus escolhidos já o aguardavam, mas
não os parabenizou pela pontualidade. Os observou enquanto não percebiam a sua
presença: um garoto pálido e esguio, os cabelos curtos e profundamente pretos,
que parecia agitado caminhando ao redor da mesa a qual o grupo escolhera para
se reunir. Uma garota com os cabelos de um loiro tão claro que quase se
tornavam brancos, usava o que parecia ser mais uma peça de lingerie preta que
mal segurava os grandes seios, estava sentada sobre a mesa, as pernas cruzadas
e os braços servindo de apoio enquanto encarava fixamente o teto. Outra garota,
essa mais baixa e com o corpo mais robusto, estava encostada na mesa observando
o garoto que caminhava. Kyron imediatamente ficou curioso sobre como ela havia
entrado para o clã, já que não parecia seguir o padrão necessário para uma
mulher ser aceita. Dois outros garotos conversam seriamente, eram altos e se
destacavam pelos músculos. O último estava na ponta mais afastada da mesa com
um olhar sombrio e uma postura elegante, quase lembrando aos nobres que já
havia conhecido.
Kyron concluiu que seu grupo era uma
grande variação dos estereótipos do clã. De certa forma, dava para perceber
porque estavam como os últimos a serem escolhidos. Talvez, pensou, aquilo fosse
uma boa coisa. Não se importava com a falsa competição de Malakye, de forma que
poderia dar um verdadeiro treino para os jovens ali presentes.
— Muito bem — disse, decepcionado por
vários minutos terem se passado e ninguém ter notado sua presença. Deveriam ser
mais atentos. —, se não seguirem exatamente o que eu disser, provavelmente
acabarão matando uns aos outros ou a si mesmos.
Ninguém ousou reagir.
— A partir de hoje vocês deverão usar
apenas roupas de treinamento. Passarão metade do dia treinando combate
corporal, perderão uma refeição e desenvolverão seus sentidos. Todos os dias
lhes darei um horário diferente, então não tentem se acostumar a uma rotina.
— Com toda a sua licença — o tom
arrogante veio do garoto afastado —, mas não acha que isso é apenas uma grande
loucura? Quer dizer, nós não vamos ganhar nada mesmo. Temos uma puta, uma lésbica,
dois canhões e um garotinho assustado. Por que não apenas fingir que estamos
participando desse jogo ridículo e seguir com os nossos dias?
Enquanto o garoto falava, percebeu
que além dos jovens aos quais se referiu como “canhões”, os outros tentavam inutilmente
não se mostrar afetados pela descrição. Kyron deu um passo na direção dele, mil
ideias de tortura vindo a sua mente para corrigir a estupidez.
— Qual o seu nome? — Kyron perguntou,
recebendo a ficha em resposta. Ele a pegou e a rasgou sem olhar. — Eu pedi seu
nome, não sua ficha.
O garoto o fuzilou com o olhar. Os
outros ficaram tensos.
— Dheron. Terceiro filho da família
Thardaen.
Enquanto o ego de Dheron crescia
pelos olhares lançados após revelar seu título, Kyron apenas observou de braços
cruzados. Ele não era um nobre, mas era de uma família extremamente rica do
reino, e parecia ter muito orgulho do fato.
— Então, com toda a sua inteligência
que certamente fora providenciada pela sua família ao longo dos anos, diga-me:
nas classificações que fez quanto ao grupo, você seria a “puta” ou o “garotinho
assustado”?
Dheron deu um passo a frente, as mãos
nos bolsos enquanto o rosto esquentava. O resto do grupo observava tão atentamente
quanto a um espetáculo teatral.
— Quem você pensa que é para falar
com alguém do meu nível dessa maneira?
— Criança, se quer mesmo ser um
Sycrax, precisará mais que algumas palavras arrogantes para sobreviver. Acima
de tudo, esquecer quem foi no passado, pois a única coisa que importa é quem se
tornará aqui e agora. E, pelas próximas duas semanas, tenho tanto poder quanto
Malakye sobre vocês seis. Não tente jogar o meu jogo sem estar preparado,
porque morrerá na primeira rodada.
Foram logos minutos apenas com trocas
de olhares, alguns assustados, outros irritados. Kyron não se importou com
nenhuma das reações e, ao invés disso, resolveu dar início imediato ao
treinamento:
— Afastem as mesas. Vamos ver do que
vocês são capazes, afinal.
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